sexta-feira, 30 de setembro de 2011

AUTARQUIAS, AS NOSSAS CASAS COMUNS...

Porque estão próximas, porque estão vocacionadas para os complementos indispensáveis. São elas que acodem.
        Num dos nossos últimos apontamentos, alertava para a necessidade de cada vez mais serem consolidadas. Quanto aos serviços que prestam às populações e quanto à necessidade das mesmas continuarem com vida, bem perto de nós.
        No dia 26 de Setembro ouvimos o primeiro-ministro, anunciar uma reforma que pode levar à extinção de freguesias ou de autarquias. Em nome de maiores poupanças e em nome de maiores eficácias.
        Naturalmente que a partir de agora por todo o país muitas vozes se vão levantar. Uns vão apoiar, outros nem tanto, outros vão ter que se conformar.
        As análises decorrerão nos partidos políticos, nas associações de desenvolvimento económico e cultural. Os jornais darão conta do que acontecerá, ou irá acontecer. Também os particulares dirão do que pensam. Estaremos atentos ao que nos vai dizer o governo regional e a oposição regional.
        Somos do grupo dos particulares, e sem pretensões. Mas de amor ao que é nosso, que importa defender, nunca abolir ou extinguir. E somos por melhores eficácias e por menor despesismo.
        O espírito associativo poderá ser uma boa experiência. Mas vamos esperar para ver e depois comentar. Estamos no Pico, e é no Pico e nos Açores que temos a nossa expectativa.
        Vivemos uma autonomia conquistada, e por isso pensamos que os ajustamentos que se tenham de fazer, passam necessariamente pelo Governo Regional e pela Oposição Regional. Não acreditamos que seja a República a mexer e a impor o que quer que seja na orgânica das nossas administrações.
        A ir por diante o que foi anunciado, a orgânica do Governo também está ameaçada. Por isso, terá que ser reajustada. As poupanças começam por aí, e só depois se estendem às autarquias.
        Aguardamos.
altodoscedros.blogspot.com
escrito na ortografia antiga.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

BENTO XVI na Alemanha

“Na Alemanha, a Igreja está optimamente organizada. Mas, por detrás das estruturas, por ventura existe também a correlativa força espiritual, a força da fé de um Deus vivo? Sinceramente devemos afirmar que se verifica um excedente das estruturas em relação ao Espírito. Digo mais: a verdadeira crise da Igreja no mundo ocidental é uma crise de fé. Se não chegarmos a uma verdadeira renovação da fé, qualquer reforma estrutural permanecerá ineficaz”. São palavras do Papa. O sublinhado é nosso.

Aqui ousamos tombar o nosso isolado comentário:
Uma visão global dos fenómenos religiosos, quanto à prática cristã dos crentes e seguidores da Igreja Romana, na Europa e também em Portugal e suas ilhas, leva a esta conclusão – falta de fé, ou talvez uma prática de fé titubeante.
 Todavia, temos de procurar ir ao encontro de mais alguma coisa, sobretudo quando se volta a falar e a insistir de que a Igreja é a hierarquia e o resto é o rebanho das ovelhas. Parece que se quer andar para antes do Vaticano II, onde directamente se afirmava: a Igreja é o clero, o resto é o rebanho.
Este movimento retrógrado tem levado muita gente à desilusão e ao afastamento. O resultado é uma espécie de divórcio, ou como alguns dizem, de cisma silencioso. Seria bom não confundir afastamento com falta de fé. A fé, se estava, continua a lá estar. Os afastados continuam a ter fé.
Quando o Papa diz que a crise da Igreja é uma crise de fé, ficamos sem saber a que Igreja se refere. Se à Igreja – Povo de Deus, pós conciliar –, se à Igreja Hierárquica, de sabor pré conciliar.
Na Igreja – Povo de Deus, pós conciliar – há falta de fé, mas há abertura e receptividade, sempre houve e continua a haver. Seria temerário atribuir a falta de fé ao Povo simples que vive o seu dia a dia e que gosta de mais fazer. Convém saber um pouco das suas razões. Resumidas, são elas:
- Falta de fé de quem preside ou dirige; se os detentores do poder mostram aparências de puro laicismo, como se pode acreditar neles, no que dizem e no que fazem?
- Falta de cuidados nas celebrações; se as palavras são prefabricadas, lidas sem convicção, porque não foram estudadas, as músicas apimbalhadas, como se pode ter fé numa aparência que não engana?
Estas razões acabam por ser as causas, todas provenientes da Igreja Hierárquica, e de espírito pré-conciliar, que julga ter todo o poder no céu e na terra.
Aqui, apesar de todos os pergaminhos, realça mais o aparato do que a verdade. Já nos alertava para este fenómeno o saudoso Padre Dr. Manuel António Pimentel quando desabafava: ”boas pessoas, sim, mas não tem fé”; “boa pessoa mas não tem carisma”.
A crise da Igreja é uma crise de fé. Uma afirmação verdadeira, sim, não por ter sido dita pelo Papa, mas por ser evidente.
Sabemos que é dentro da Igreja Hierárquica que os entraves mais se acumulam. Nos seus meandros proliferam as verdadeiras causas que ela mesmo criou, imprimiu e acumulou durante séculos, em nome do poder que a sustenta. Uma teia de que tudo está interligado e definido. Um inferno que nada poderá contra ela, pois ela mesmo o criou.
Mas os tempos não perdoam, e hoje já não há pátios dos gentios que resistam. Todos falam da secularização, como se ela fosse um grande mal. Mas não é, e já se começa a aceitar como dado adquirido. Todavia, não é o bastante. Falta dar passos em frente.
Se o caminho a seguir tiver que ser o da secularização, como tudo parece indicar, então que se acabem com todos os equívocos. Que se acabem de vez com todas as leis impeditivas do desenvolvimento interior da natureza humana. (Não se compreende que as altas esferas do Vaticano não tenham ainda assinado a Carta dos Direitos do Homem).
A fé já começa a revelar-se como o cumprimento de um rito. Os homens e as mulheres serão sempre livres de o fazer. Para assumir compromissos entre si ou não. Em toda a parte. Na sociedade, na família, no emprego. Para tudo bastará uma só pedra – Jesus Cristo.
Felizmente que, neste ponto de vista, há fé abundante. Por toda a parte. Até nos que se dizem ateus. É verdade que pode não ser fé adulta, consciente, segundo os cânones dos espertos em teologia, mas fé suficiente para acreditar em Deus na figura de Jesus Cristo. E isso basta para se ser cristão. É bom lembrar que a fé não se mede aos palmos nem ao metro. A medida está dentro de cada um.
Há muito melhoramento por fazer por dentro da casa mãe. Os “pátios dos gentios” vão estar virados para esse lado? Não creio. Há muitas barreiras a quebrar. Entretanto a crise de fé continuará a aumentar, apesar das boas estruturas materiais que hoje existem por todo o lado.
escrito na ortografia antiga
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sábado, 17 de setembro de 2011

ALAMANAQUE DO PICO... barómetro do Triângulo

                Novamente recebi em casa o livrinho do senhor Manuel do Rosário, que, por suas mãos, ou por um portador, deixou na caixa do correio. Por isso, o meu muito obrigado.
        Costuma dizer-se que os almanaques servem para dispor bem. Por entre verdades consagradas, sempre se dizem meias verdades, algumas anedotas e fazem-se previsões que geralmente, ou nunca acertam ou então ficam-se pela metade. Por vezes também se dizem novidades e se dá lugar à criatividade.
O adágio de “ser de almanaque” está aqui neste livrinho muito bem expresso. Basta estar atento. Espero que esta crónica também assim seja entendida pelo autor e leitores de: “crónica de almanaque”.
        Começando pelo princípio, ficamos a saber que o ano 2012 vai ser bissexto e que começa ao Domingo, e que por isso vai ser um ano de “alguma animação”. Fiquei satisfeito por esta primeira previsão. Andamos todos com necessidade de mais ânimo e melhor ânimo.
        Os domingos começam por ser do Tempo Comum, depois são da Quaresma, Depois da Páscoa e Depois do Espírito Santo. No Advento além de 4 domingos há mais o 5º domingo, que não sei se já tem o nihil obstat de Bento XVI. Mas também não importa, pois há muita coisa que se faz e pratica sem ter a aprovação papal, e ninguém vai para o inferno por causa disso. Cuidado, todavia, por cuasa da censura do "santo ofíco" que, por vezes, aparece bem disfarçado nas costas do norte da ilha! E também pelo sul lançando impropérios contra o vento!
        A “6 de Agosto comemora-se os 150 anos da devoção ao Bom Jesus de São Mateus do Pico, e 50 anos do Cardinalato de D. José da Costa Nunes”. Aqui, a previsão é minha: os santos padroeiros da ilha, quais romeiros de longe vão ir à Procissão do Bom Jesus. É uma previsão “de almanaque”, feita, neste caso, pelo cronista.
        Quanto aos santos padroeiros, pouco se indica. Sendo um guia para usos e costumes das ilhas do triângulo, falta mais qualquer coisa. Um exemplo, logo em Janeiro: 15 de Janeiro, Santo Amaro – festa do Padroeiro na freguesia de Santo Amaro; 17 de Janeiro – Santo Antão – festa do Padroeiro na Ribeirinha; 20 de Janeiro – São Sebastião – festa do Padroeiro na Calheta do Nesquim. E assim sucessivamente à volta das ilhas do triângulo.
        No campo das adivinhas transcrevo a primeira: “qual é a diferença entre o vinho verdelho do Pico e o 25 de Abril?” Confesso que não adivinhei e fui ver: “o verdelho quanto mais velho melhor, o 25 de Abril quanto mais velho pior”. Nem toda a gente vai gostar que se diga, mas… os que gostam do verdelho vão dizer que sim, os amantes da política vão dizer que não. A verdade é que as datas acabam por serem esquecidas, o vinho renasce todos os anos. “Longe da vista, longe do coração”.
        Nos provérbios escolho o seguinte: “Julho por excelência é o melhor porto dos Açores”. Confesso que andei com a cabeça à roda e não consegui entender. Mas é assim mesmo: ou é de almanaque ou já começo a ficar velho, o que é capaz de ser o mais certo.
        Quanto a datas históricas, confesso que não estou a ver o Convento de Mafra ligado ao século XIII. Estou em crer que lhe falta ali o algarismo romano V, cinco. Será também de almanaque? Neste caso, não creio, pode ser até uma errata, o que também se admite, e até fica bem, numa publicação deste género.
        Para finalizar, a melhor verdade deste almanaque está em uma quadra de Luís G. Rosa que diz assim:
       
“Se produzir e poupar
        Faz bom governo no mundo;
        Não produzir e estragar
        Leva os países ao fundo”.
        É caso para dizer: se os nossos homens das finanças publicas assim pensassem…Mas a verdade é que não ligam ao Almanaque, não o lêem. Se o lessem sabiam como fazer! E voltando atrás em relação às previsões, mais uma que paira já no ar: o Papa, à semelhança dos tempos medievais que aprovava a criação de nações, vila e aldeias, prepara-se para extinguir algumas autarquias! As bulas já estão anunciadas. Pelo menos em rascunho.
E pronto. Foi a minha leitura parcial. O resto é para se ir lendo ao longo do ano, ver as luas, as sementeiras, as festas móveis e outras curiosidades da tradição. O tempo, esse, quase nunca bate certo. Anda todo descontrolado, mas as imagens do Pico que são prenúncio de bom ou mau tempo, aqui se encontram. Foi a Montanha o nosso primeiro barómetro, e ela é vista pelas três ilhas. É uma questão de fé.
        Como sempre ouvimos dizer: “a fé é que nos salva”. Obrigado ao senhor Manuel do Rosário, desejando boas vendas. Comprando o Almanaque do Pico, estamos a consumir o que é feito nos Açores. Uma boa norma, em falta, no Juízo do Ano. E uma forma da "coisa se ir tornando menos preta".
escrito na ortografia antiga
altodoscedros.blogspot.com

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

SINCERAMENTE, OBRIGADO...

Acabo de receber o livro “José Vieira Alvernaz, Patriarca das Índias, Arcebispo de Goa e Damão”, escrito por Maria Guiomar Lima, que teve a gentileza de mo enviar, de Lisboa, onde reside.
        Maria Guiomar Lima, ainda criança, residente com seus pais na Ribeirinha, foi, na década de 1950, juntamente com eles, para Angra. Nesta cidade fizeram a sua vida e ela fez os seus estudos.
Não recordo essa partida, nem recordo algum momento ocorrido em Angra. E durante estes anos todos não tive mais notícias da sua família.
        Todavia, há poucos meses tive a notícia de que Maria Guiomar Lima havia feito a biografia de D. José. De imediato, logo me despertou a curiosidade de fazer a sua leitura, já que de alguns episódios da vida de D. José, fui testemunha.
Também terá sido por sua influência que fui parar a Angra do Heroísmo. Sempre, durante a sua vida, trocámos correspondência e por muitas horas conversámos. Em Angra, poucas vezes; muitas, na Baixa, no balcão da sua adega.
 Por isso deixo aqui as minhas congratulações de apreço e simpatia para com a autora desta meritória obra, de tão ilustre figura que foi o último Patriarca das Índias, nosso conterrâneo.
Já li o livro quase todo, e sobretudo as viagens, as consultas e as diligências que Maria Guiomar fez para trazer à “tona da água” a vida de D. José Alvernaz. Não vou aqui relatá-las todas, apenas algumas. Ou melhor, tocar num ou noutro porto da viagem que teve de fazer até às costas do Malabar para colher a informação possível, nos arquivos e nas pessoas ainda vivas, que conheceram D. José.
Os caminhos, agora não marítimos, para a Índia, foram menos perigosos, sem adamastores, nem tormentas, mas minuciosos e pacientes. Também difíceis e complicados.
A Maria Guiomar Lima teve a felicidade do estudo acompanhado e personalizado de D. José, depois do seu regresso definitivo a Angra. Ia com frequência às aulas gratuitas que o Patriarca concedia a quem o procurava. Foram as primeiras fontes de informação.
Vieram depois outras. A Sociedade de Geografia de Lisboa, a Biblioteca Nacional, os jornais A União, O Dever, Correio dos Açores, A Voz de São Francisco Xavier, O Heraldo, A Índia Portuguesa e A Voz de Macau, além de outros, foram passos obrigatórios, portos dos primeiros abastecimentos para tão longa viagem.
O trabalho foi orientado pelo Professor Doutor Artur Teodoro de Matos que aconselhou Maria Guiomar a “procurar as pessoas que conheceram o último Patriarca das Índias”. E ela foi.
 Começou pelo Arquivo Histórico Ultramarino, depois o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Foi a Roma ver o que podia encontrar no Pontifício Colégio Português onde estudou Alvernaz.
Conversou com ex-combatentes em Diu e em Goa, como os senhores João Aranha e Manuel Bernardo, este último natural de São João do Pico, e que já há muito tempo sabia e falava da investigação da autora. Conversou com Pezart Correia, com o neto de Vassalo e Silva, antigo Governador de Goa, com Adriano Moreira e muitas outras individualidades que foram do tempo do Patriarca na Índia.
Concorreu a uma bolsa de estudos da Fundação Oriente, para viagem de estudo de pouca duração. A bolsa foi-lhe atribuída e lá foi até Goa, Damão e Diu e depois até Cochim.
Nestas curtas estadias teve oportunidade de consultar e ouvir os ecos deixados por Alvernaz nas terras do Oriente. Em sacerdotes ainda vivos, Cúria Diocesana, Boletim Eclesiástico de Goa e pessoas cristãs, responsáveis por instituições da Igreja.
Neste apontamento, muito mais não cabe dizer. É melhor o conselho para a aquisição desta biografia. Quem tiver oportunidade de ler esta obra, não deixe de olhar para os Agradecimentos (ou relato de uma investigação) a partir da página 247. Talvez seja mesmo bom começar por aí.
No conjunto, e pelo que me é dado recordar, a biografia está fiel a tudo o que se passou na vida deste homem do Pico. Menos, naturalmente, a sua simplicidade e humildade que o tornava reservado no que mais lhe tocava o coração, no que tinha de mais íntimo. Essa virtude levou-a consigo. É a virtude dos santos, e ele foi um santo.
Transcrevo o que está escrito nas primeiras linhas do livro:
“Era Outono de 1962, o Concílio Ecuménico Vaticano II ia começar. Um homem alto, magro, de barbas brancas desembarcou no aeroporto de Roma vindo do Oriente. Queimado pelo sol, usava a batina clara e o chapéu dos bispos missionários e parecia exausto com o olhar cansado de quem não dormia há muito. Procurou uma cara conhecida entre a multidão que aguardava passageiros, mas não viu ninguém à sua espera e baixou a cabeça ainda mais abatido. Em seguida endireitou-se, firme, espadaúdo, pegou na sua pequena mala de viagem e tomou um transporte público para o centro da cidade”.
Parabéns à Maria Guiomar Lima por esta viagem à índia, à descoberta das obras e feitos que por lá deixou José Vieira Alvernaz, filho da Ribeirinha do Pico.
Sinceramente, obrigado pela gentileza da oferta que me mandou.
 (escrito nas ortografia antiga)



sábado, 3 de setembro de 2011

IMAGENS DE TEMPOS IDOS...

Ocorrem-me imagens de tempos idos, quando o velho “João Janeiro” levava consigo algum neto para as lavras, situadas na freguesia da Piedade. No Caminho Largo, na Canada do Império, na Ponta da Ilha, no Caminho de Cima ou no Cabeço da Altamora.
 Duas boas juntas de bois puxavam o arado, enquanto o neto, atrás da rabiça, no rego aberto, lançava o grão que havia de dar a maçaroca. O sol da Primavera ainda era manso e por vezes a chuva impedia que o trabalho do dia ficasse completo. Há que abrigar, vem aí mais um sargo!...
        Ocorrem-me imagens de tempos idos, de idas e vindas às novenas da Piedade, passando pelas sementeiras de Abril e Maio. Olha, o milho nasceu bem e tem maçarocas gradas! Vai dar uns 30 alqueires!
Sempre na companhia de devotos e devotas da Senhora, os caminhos velhos do Miradouro e os novos da nova estrada para o Norte eram sempre percorridos ao som de cantigas que ecoavam por entre faias, incensos e urzes, à luz do luar e do céu estrelado.
Era Setembro e os frutos da terra já maduravam. Alguma maçaroca se colhia para assar no dia seguinte. O neto tinha esse privilégio. Vai apanhar uma!
Ocorrem-me imagens de tempos idos, quando a novena começava com a preparação da luz necessária, feita na sacristia pelo próprio Padre Soares. Era a luz incandescente a petróleo. Desfeita a escuridão da noite, vinham as condições de se ver alguma coisa: ler as orações e as letras do canto.
As romarias dos tempos idos não eram de muita gente. Imperava o isolamento, poucos tinham rádio, a estrada para o norte da Ilha estava a fazer-se. Trabalhava-se de sol a sol nos campos, nas vinhas e nos matos. Chegava-se tarde a casa, cansado, já com vontade de encostar à cama. Não havia o automóvel. Só a pé ou de burro.
Era o tempo do vapor da carreira de quinze em quinze dias, dos iates, da caça à baleia e dos primeiros atuneiros. Só às tantas da noite se saboreava o aconchego do lar. Já não havia tempo de mais nada….
Nas ofertas da festa, eram os produtos da terra: inhames, batatas, cebolas, figos, uva, melões, melancias, galináceos, bolos, coscorões, doces. A Filarmónica dava os primeiros passos, e tocava num estrado sobre as paredes do adro.
As festas da freguesia da Piedade – ao longo de todo o mês de Setembro, nas suas três invocações – Senhora da Piedade, Senhora da Rocha (hoje Senhora da Boa Viagem) e Senhora das Mercês – são ligações do coração do homem para o homem. Do homem que procura arrimo e amparo para as agruras da vida. Do homem isolado que suplica misericórdia, que suplica uma feliz deslocação para os que vão e vem de longe, do homem que sabe agradecer a felicidade dos desejos conseguidos.
Este monte de imagens ocorridas de tempos idos é uma espécie de síntese da terra que habitámos, como sendo a melhor terra do mundo. Foram a imagem desta Ponta da Ilha que merece hoje o reconhecimento de quantos a habitam e teimam em habitar. Razão tem os que lutam por melhorá-la, usando e abusando da santa teimosia dos que acreditam que tudo é possível.
Hoje, os tempos são outros. Tudo anda a modificar-se. Para melhor, sem dúvida. As mentes, por vezes, sofrem de esquecimentos. E o futuro tem urgência em saber que nada pode ser esquecido nem destruído, mas melhorado, reformado e repensado se for preciso. Para que o desejo e a utopia tenham consistência e o assento seja na primeira fila.
As maçarocas, hoje, são outras. Outros os meios. Outros os processos. São três ainda as Senhoras da Piedade. Ainda podem muito, mas já não são como eram. São menos milagreiras. Compete aos homens fazer o que lhes compete fazer. Ou melhor: continuar a fazer o que ainda está por fazer. “Fia-te na Virgem e não corras, se queres ver como é….”
Os tempos idos têm de dar lugar aos tempos novos que já chegaram e que aí vêm numa pressa desalmada. O que hoje serve, amanhã já não serve. Toda a atenção é pouca, perante tanta correria vertiginosa!
altodoscedros.blogspot.com
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