É o Senhor Deus do universo. Assim dizemos, louvando e bendizendo. Alguns diariamente o fazem. Outros, aos domingos, outros, uma vez por outra. Outros, nem se lembram disso.
Nestes dias tudo nos fala da santidade. Não há órgão de comunicação social que não fale da santidade do papa João Paulo II. Toda a sua vida foi revelada, explicada, comentada nos jornais e revistas, rádios e estações televisivas. Todos estarão virados para a grande simpatia que o mundo teve por aquele homem que veio da Polónia.
Foi o homem forte – quebra-gelos da guerra-fria. Depois, eleito papa, arredou da frente – para usar uma expressão muito nossa – retirou as barreiras e meteu-se por todo o mundo: “ide por todo o mundo, anunciai a Boa a Nova a toda a criatura”. Levou à letra as palavras do Mestre.
O resultado foi uma onda de simpatia pelo papa, como nunca se tinha visto. Os banhos de multidão multiplicaram-se pelos quatro cantos da terra. Tudo parecia que a barca de Pedro estava cada vez mais firme e viva no mar encapelado das nações, algumas em conflito permanente, outras envolvidas em ameaças sectárias de nacionalismos, confissões exacerbadas e fundamentalistas.
O resultado foi uma aclamação enorme de santidade súbita logo após a sua morte. No dia 1 de Maio próximo, será proclamado Beato.
Ninguém sabe nem arrisca das consequências seguintes. O que irá acontecer, seja no dia a dia dos crentes, nas suas práticas diárias, nas suas devoções ao beato João Paulo, seja no confronto com a História que não se paga facilmente. Neste momento, ninguém arrisca a dizer mais. O que virá depois será a confirmação da evidência ou não dos factos ocorridos, e as dúvidas que entretanto irão prevalecer.
E é da História que agora importa estar atento. Com João Paulo II e depois com Bento XVI, as grandes manifestações que envolveram aquelas duas figuras não terão sido as sementes de frutos duradoiros, como muitos esperavam. Foram antes momentos grandes, de sensibilidades efémeras, e pouco mais. Depois da euforia, veio a acalmia e tudo voltou ao que era.
João Paulo II, quando chegava a uma terra distante, descia da escada do avião e beijava a terra que pisava pela primeira vez. Bento XVI descia, e logo se colocava o tapete colorido de escarlate, para colocar os pés e prosseguir.
Estas duas imagens perduram no tempo. Dirão alguns que são estilos. Talvez. Um veio do meio operário comunista, o poder está no povo; o outro do meio imperial alemão, o poder vem de cima. Cada um é outro Cristo na terra. (Alter Cristus). Os afectos são legítimos, não se discutem.
A santidade é atributo de quem faz bem sem saber a quem. É o povo que decreta a santidade, pois é ele – o povo – que faz os seus santos.
Nesta onda de “santidades” – nunca se proclamaram tantos santos como nos últimos anos – a primeira questão que se levanta, são os outros que ficam à espera da sua vez. Que já existem, e também são aclamados pelo povo. O Vaticano sabe disso, mas entende que são outros os caminhos que levam à santidade, e que há motivos que não convém aprovar. Por isso a santidade é também motivada por afectos e desafectos dos homens do poder. Nem tudo são transparências.
Nas Américas centrais já se venera São Óscar Arnulfo Romero, Pastor e Mártir, martirizado em plena missa pelos inimigos do evangelho. O povo já se encarregou de lhe chamar santo, e assim vai praticando a sua fé. O mesmo por terras brasileiras com D. Hélder Câmara, defensor dos mais pobres e grande animador da não-violência.
O tempo presente parece ir mais no sentido do culto da personalidade – a papolatria. Uma linha medieva que renasce na defesa do castelo. Quando Roma fala, todos se calam. Os novos tempos, de frágeis aparências, assim o exigem. Mas o Povo de Deus, por sua vez, continua a louvar o Senhor que é três vezes santo. Os outros santos serão sempre condicionados pela própria condição humana dos detentores do poder, que tem, na santidade decretada, uma das suas maiores forças.
É o Povo de Deus que faz os seus santos. Parece ser esse o caminho que todos entendem.
Santo, santo, santo, é o Senhor Deus Ressuscitado. Boas festas da Páscoa.
Manuel Emílio Porto (altodoscedros.blogspot.com)