"Não falta quem se irrite com o simples nome de Hans Küng, acusando-o inclusivamente de ressentido: não teria ainda perdoado a João Paulo II nem a Bento XVI a condenação. Mas quem tenha boa fé sabe que Küng se confessa convictamente cristão - para ele, ser cristão é ter Jesus Cristo como determinante na vida e na morte - e não pode ignorar o seu contributo incalculável para o encontro da fé com o mundo moderno e pós-moderno e um ethos global. Leia-se, por exemplo, a sua recente obra Was ich glaube, várias vezes aqui citada e agora traduzida para espanhol - Lo que yo creo -, onde, de modo profundo e pessoal, responde às perguntas essenciais: em que posso acreditar?, em que posso confiar?, em que posso esperar?, como posso configurar a minha vida?
Foi por imperativo de consciência que escreveu o livro que acaba de ser publicado: Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?). "Preferiria não ter escrito este livro. Não é agradável dirigir à Igreja, que foi e é a minha, uma publicação tão crítica", mas, "na presente situação, o silêncio seria irresponsável".
De que sofre a Igreja? A Igreja católica, a maior, a mais poderosa, a mais internacional Igreja, essa grande comunidade de fé, está "realmente doente", "sofre do sistema romano de poder", que se caracteriza pelo monopólio da verdade, pelo juridicismo e clericalismo, pelo medo do sexo e da mulher, pela violência espiritual. Que propõe Küng?
É preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. De facto, em síntese, a Igreja é a comunidade dos que acreditam em Cristo: "A comunidade dos que se entregaram a Jesus Cristo e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo. A Igreja torna-se crível, se disser a mensagem cristã não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus. Toda a sua credibilidade depende da fidelidade a Jesus Cristo." Como procederia Jesus nas actuais situações, quando pensamos no modo como agiu? Seria contra o preservativo, os anticonceptivos, excluiria as mulheres, obrigaria ao celibato, proibiria a comunhão aos recasados? Que diria sobre as relações sexuais antes do casamento? Como procederia em relação ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso?
A Igreja não pode entender-se como um aparelho de poder ou uma empresa religiosa, mas como povo de Deus e comunidade do Espírito nos diferentes lugares e no mundo. O papado não tem que desaparecer, mas o Papa não pode ser visto como "um autocrata espiritual", antes como o bispo que tem o primado pastoral, vinculado colegialmente com os outros bispos.
A Igreja, ao mesmo tempo que tem de fortalecer as suas funções nucleares - oferecer aos homens e mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem arcaísmos nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos -, deve assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando, sem partidarismos, à sociedade opções fundamentais, orientações para um futuro melhor.
Não se trata de acabar com a Cúria Romana, mas de reformá-la segundo o Evangelho. Essa reforma implica humildade evangélica (renúncia a títulos como: Monsignori, Excelências, Reverências, Eminências...), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica, liberdade evangélica. E é necessário mais pessoal profissional, acabando com o favoritismo. De facto esta Igreja é altamente hierarquizada e ao mesmo tempo caótica. Quem manda no Vaticano? "Conselheiros independentes haverá poucos."
Mais: precisa-se de transparência nas finanças da Igreja; deve-se acabar com a Inquisição, não bastando reformá-la, e eliminar todas as formas de repressão; não é suficiente melhorar o Direito eclesiástico, que precisa de uma reforma de base; deve-se permitir o casamento dos padres e dos bispos, abrir às mulheres todos os cargos da Igreja, incluir a participação do clero e dos leigos na eleição dos bispos; não se pode continuar a vedar a Eucaristia a católicos e protestantes; é preciso promover a compreensão ecuménica e o trabalho em conjunto."