Não se trata da preia-mar nem da baixa-mar. Nem tão pouco da designação popular atribuída à preia-mar – maré-cheia. Trata-se, sim, de uma metáfora. Com raízes no movimento das marés, com certeza.
Descendentes de pescadores e de baleeiros – residentes pela diáspora e em sintonia com os actuais residentes – habituados às águas do mar que as viam subir e descer todos os dias, resolveram congregar esforços e encher a freguesia das Ribeiras com o maior número possível de naturais. Daí a designação de Maré-Cheia.
Por estes dias assim acontecerá. Os naturais daquela freguesia, e residentes noutras partes do mundo, movimentaram-se nos últimos anos, no sentido de todos se encontrarem, em convívio fraterno.
O cartaz é elucidativo quanto ao programa deste encontro. Para além de outros ingredientes, escolhidos para a celebração desta enchente, surge de imediato a refeição escolhida – Sopas do Espírito Santo no dia 8.
Sendo freguesia de pescadores e de baleeiros, naturalmente poderiam ter optado pelo caldo de peixe. Mas não. Escolheram as Sopas do Espírito Santo.
Este pormenor da refeição escolhida poderá não ter surgido por acaso. Os povos costumam ter o seu dia-a-dia todo preenchido, quase sempre de forma rotineira, sem tempo, por vezes, para o diálogo e o convívio aberto e descontraído. Assim acontecia nas fainas da pesca e da baleia. Nem tempo havia para o descanso.
Também os povos costumam ter ocasiões mais selectivas, mais culturais, mais íntimas. Geralmente com a mistura do religioso com o profano.
Aqui, poderá ter sucedido o mesmo. Nesta freguesia – como em muitas outras nesta ilha – são as refeições da festa do Espírito Santo que congregam mais público, despertam mais entusiasmo e alegria. Celebrar o Espírito Santo é quase um dever sagrado. E nesta freguesia foi sempre tradição acentuada, sempre feita com maior relevo e aprumo.
Convém, todavia, referir que a tradição do Espírito Santo, além de ser religiosa, é também cultural, vai para além do simplesmente religioso.
Nos tempos certos andam juntas. Neste encontro, porém, como não é promessa a cumprir, prevaleceu a segunda. O primeiro sempre mais restrito, o segundo mais universal.
Maré-Cheia é aproximação das pessoas, é encontro fraterno do cidadão secular que revisita lugares e costumes da sua terra natal.
A cultura tem um carácter muito nobre – não exclui. A cultura é viva. Nas casas, nos salões, nas ruas, nas decorações, nos foguetes, na música. Por outras palavras, dá ambiente ao convívio que é de todos. É pela cultura que os povos se identificam, redundante é repeti-lo.
Os caldos de peixe e outros ingredientes da saudade ficaram para outras ocasiões não menos vividas. O programa é extenso, e não se esgota no indicado para o dia 8.
Além do mais, este acontecimento em Santa Cruz das Ribeiras, na minha modesta opinião, é assunto relevante. Que marca o mês de Agosto de 2011 na Ilha do Pico.
Há que louvar uma iniciativa desta natureza e dar-lhe o devido relevo. Um apelo à reunião de todos os ausentes, na terra mãe, não acontece todos os dias. Estão todos de parabéns.
A todos saúdo, sem excepção. Mesmo sem saber se estará presente, (escrevo este apontamento no dia 1 do corrente), lembro o companheiro das primeiras viagens para Angra a caminho do seminário – o Orlando Quaresma. Nestes dias, ausente ou presente, estará com todos os seus, um alento para a vida presente e uma força para os anos da idade terceira.
Na tua figura, caro amigo, saúdo os mentores da iniciativa apontando-a como exemplo das boas iniciativas que raramente acontecem. Não é todos os dias que vemos uma freguesia inteira da diáspora voltar à terra-mãe, juntar-se aos que ficaram, encher a freguesia, para celebrar a vida. A maré vai encher, vai ficar rasa! Um aplauso do tamanho da Montanha!
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