Seguimos – por hábito, por defeito, talvez por curiosidade – as celebrações festivas que a Televisão nos mostra. Quer seja ao domingo, quer seja noutra festividade mais importante.
Cedo percebi e entendi as intenções do Concílio Vaticano II, nos anos 60 do século passado, que apontavam para o acto litúrgico como sendo uma acção colectiva, exigindo a participação integral de todos os intervenientes – presidente, acólitos, grupo dos cantores, assembleia.
A partir de então, os que conheci, e foram muitos, entenderam que uma celebração festiva, mais do que qualquer outra, exigiria a participação de todos. Embora se tivesse consciência das dificuldades em atingir esse desiderato, sobretudo quando se tratasse de multidões, a verdade é que tudo apontava nesse sentido.
Hoje, confesso que nos Açores os tempos melhores foram os primeiros. Muito trabalho foi feito, e bem feito, apesar de alguns desvios menores. Todavia, a partir dos primeiros anos deste novo milénio, tudo começou a ser relegado para costumes há muito recuados no tempo. Parece que perpassa pela Igreja um saudosismo doentio que faz pena.
Tomo por tema concreto, a celebração festiva da Missa de festa de Santo Cristo presidida pelo Cardeal Levada, Ministro do Santo Ofício. Segui atentamente todo o desenrolar das cerimónias no altar. Da minha observação deixo os comentários seguintes.
Quanto aos ritos e à sua lisura, foram certos, como num relógio. Isso terá contentado muita gente. Mas a verdade, porém, é que tudo pareceu demasiado formal, como se tudo fosse feito nos tempos do latim e versus deum. Apenas em dois pormenores houve a diferença: o vernáculo e o versus populi. No restante, foi uma celebração fria e intelectualizada, algo mecânica, só para os que estavam à volta do altar. A alma e o sentir dos participantes, sobretudo da assembleia, ficaram-se pelo silêncio em atitude expectante.
O Grupo Coral fez o seu desempenho, e bom desempenho. Preocupado com a execução perfeita dos momentos que lhe competia, de ligação ao altar, e totalmente desligado da Assembleia, espalhada pelo campo de São Francisco. A chuva até obrigou os instrumentistas a abandonarem os lugares que ocupavam.
Como se sabe – é das normas – todos os refrães, as respostas e o Pai-Nosso de uma celebração festiva, pertencem à Assembleia. E para este caso concreto, nada foi preparado. Faltou preparação. Faltou o condutor da Assembleia.
À escola dos cantores competem os temas de maior dificuldade; aos povos as restantes. À escola dos cantores compete usar a polifonia; aos povos o uníssono. E para completar o que digo, lembro somente o que Bento XVI recordou há dias, por ocasião dos 100 anos do Pontifício Instituto de Música Sacra: o sujeito da liturgia é a Igreja e não a pessoa ou grupo que celebra a liturgia.
E nada mais adianto, pois, sou apenas um observador. Compete aos responsáveis zelar pelo bom e exemplar desempenho da liturgia.
Termino, dizendo que uma celebração desta natureza, transmitida pela Televisão, deve ter também uma finalidade pedagógica – ensinar como se faz, escola viva, a melhor de todas as escolas.
Uma celebração sem alma é uma celebração de mortos, um espectáculo puramente material. Sem alma, a mensagem fica-se pelo rito, o que é francamente muito pouco. Quem quiser entender, que entenda. E, por muito que custe, nesta matéria, muito há que aprender de outras confissões cristãs. Basta olhar e ver como fazem.
Manuel Emílio Porto (altodoscedros.blogspot.com)