segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Agora que as festas se foram....

O mês de Agosto foi intenso em manifestações culturais – religiosas e seculares. Muitas andaram juntas, outras separadas.
É bom cultivar a unidade cultural, pois é uma matriz nossa que já vem de longa data. Mas não vem nenhum mal ao mundo se os costumes se alterarem. Por uma razão ou outra sempre se deram transformações ao longo dos tempos.
        Estamos quase a celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II. Um Concílio que apontou reformas que vingaram e que foram recebidas, de braços abertos, por responsáveis – e foram muitos – e pelos povos que as acolheram e fizeram delas práticas do caminho de Deus.
 Nesta ilha e em muitas outras, os responsáveis, o último de então, felizmente, ainda vivo, reorganizaram e puseram em marcha reformas da piedade popular. Seguiram a orientação conciliar. Fizeram trabalhos, aprovados e louvados por muitos bispos que passaram por esta e outras ilhas. Com plena aceitação dos devotos e crentes.
É tempo de consolidar e não destroçar. É tempo de consolidar indo ao encontro dos povos, que sempre tiveram disponíveis para ajudar a crescer. Será a melhor forma de celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II.
 O elemento humano, sempre presente e sempre determinante, é importante, na sua total abrangência. Lembrando corpo e alma, não pode relegar para segundo plano a fé e a transparência, e tornar-se semelhante à máquina. Nem a palavra é a da máquina, nem a música é a da máquina. Ambos são do coração. Tem de brotar de dentro. Da partilha de todos e não de um só. E o Concílio apontou para essa meta.
 O uso do vernáculo foi a maior conquista. Todos o entendem. Isso arrastou consigo maior exigência – transparência nos hábitos e nos costumes, nas linguagens e nos sinais.
E ficaria por aqui, não fosse o quadro alegórico do sábado de Lurdes, qual clarão luminoso vindo das entranhas do tempo, e que apresento aqui, como a melhor resposta para o que atrás deixo escrito.
 Com efeito, e logo no início, apareceu um dos quadros mais belos de quantos tem vindo às Lajes por estas festas, e este ano, verdade se diga, que foram todos bons.
 A figura de D. José Alvernaz, rodeada pelos seus mais directos colaboradores de Goa, Damão, Diu e Cochim, veio recordar-me a sua chegada a Roma, vindo do Oriente, sozinho, com a sua mala e sem ninguém à espera, como conta a sua biógrafa Maria Guiomar, para participar no grande evento convocado por João XXIII.
A alegoria do Professor Hélder Fernandes não poderia ter sido mais oportuna e feliz. Oportuna pelo cinquentenário que se aproxima, e consequentemente pelos benefícios que trouxe. E feliz porque revela o carinho, bem vivo, à figura de D. José, das gentes da sua terra natal. Parabéns ao Professor Hélder Fernandes.
Foram muitos os que desde o princípio tudo fizeram por aperfeiçoar, melhorar as nossas maneiras de rezar e de melhor compreender os caminhos da fé. Aquele quadro alegórico veio recordar-me João XXIII e Paulo VI. Veio dar a resposta certa, no momento certo, por tudo aquilo que se fez nesta e noutras ilhas.
Hoje os tempos são outros. Já passaram quase cinquenta anos. Muito longe ainda das metas apontadas. Vivemos o período da história em que se procuram novos caminhos, às vezes pouco incongruentes e incoerentes.  Talvez, por isso, há quem recorra ao argumento fácil e à metáfora selvagem do abutre para explicar o que não consegue, ou não sabe explicar.
Mais uma vez, parabéns ao Professor Hélder Fernandes pela alegoria que nos trouxe nos últimos dias de festa. Talvez a melhor catequese daqueles dias festivos.
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

UNIÃO MUSICAL DA PIEDADE

A Filarmónica que primeiro vi e ouvi na minha vida foi a “música da Piedade”, dirigida, suponho eu, pelo senhor Manuel Racha e depois pelo saudoso Padre Francisco Soares. Foi na festa de São Pedro, na Baixa, num palco improvisado, feito de estacas e restos de tábuas de pinho, num curral de vinha, onde hoje se situa o Salão “Ninho de Águia”.
        Tinha acabado de nascer a Filarmónica. Tinha poucos anos. Dava os primeiros passos. Já lá vão uns anos acrescentados. Por volta de 1946/47?
        Agora, percorridos estes anos todos, chegou o dia da mesma Sociedade Filarmónica inaugurar a sua sede social, lugar condigno, correspondente à qualidade que hoje manifesta nas suas actuações.
        Começo por este pormenor, por me parecer o mais adequado num acontecimento desta natureza. Qualquer trabalho merece sempre ser recompensado. Aqui aplica-se o princípio.
A Filarmónica da Piedade tem demonstrado qualidade nos seus trabalhos musicais. Isso deve-se ao empenho dos seus músicos que procuram aperfeiçoar-se. Muitos jovens, vejo-os lá bem encaixados, atentos e compenetrados do seu específico trabalho.
 Esta inauguração vem premiar o trabalho feito e proporcionar melhores condições para se procurar o aperfeiçoamento que hoje todos apreciam. Porque, é bom recordar, todos hoje procuram isso mesmo – melhor qualidade. E a cultura é uma vertente muito sensível, que se revela, sobretudo, pela qualidade que apresenta.
        Destaco nesta inauguração a presença da Orquestra Sinfónica Juvenil de Lisboa. Pelo apelo que fez aos jovens para a boa música, a música erudita, a música de qualidade. E sobretudo pelos novos horizontes que podem motivar os jovens na carreira musical. Seria imperdoável não aproveitar este agrupamento para “apadrinhar” a festa da nova sede social.
        Todavia, o que se diz do músico, também se diz do público. Os grupos musicais existem para serem ouvidos atentamente. Cabe neste apontamento uma palavra de amor para os que se dedicam á música – querem ser ouvidos com atenção.
Do público também se exige qualidade. O músico faz uma preparação intensa, para poder corresponder com a melhor qualidade possível. O público mais não fará do que responder também com qualidade. Como?
Ouvindo em silêncio absoluto. É um sinal de respeito por quantos se esforçam por apresentar um bom produto. Em música é assim, e não pode ser de outra forma.
Se nos arraiais o público troca impressões, conversa, grita, ninguém estranhará. Mas numa sala, ou num salão, o mesmo não acontece. Nem os telemóveis se permitem.
        As Bandas são uma das melhores imagens do povo. Pela forma como se apresentam, pela qualidade musical que conseguem, pela atenção que lhe prestam, pela apresentação e arrumo da sua Sede Social. Uma Banda é o espelho de uma comunidade.
        Convém destacar, neste apontamento, as outras valências do novo edifício. Que se estendem para outros horizontes sociais da freguesia, como sejam as festas de maior movimento de pessoas – as festas do Espírito Santo.
        Nesta festa esperava encontrar mais público. Talvez por não ter sido escolhido o melhor dia, talvez por isso.
        Aos poucos vamos construindo o futuro. Esperemos que as “crises”, que sempre hão-de vir, não façam abrandar a concretização de novos sonhos, nem façam morrer o que muito custou a construir.
        Parabéns à “música da Piedade”. Parabéns a toda a freguesia desta Ponta da Ilha, que suporta a “União Musical da Piedade”. Parabéns à ilha inteira.
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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Voltando à semana que decorreu...

Um apontamento para o jornal, feito “a priori” do acontecimento, corre o risco de falhar por omissão. Assim aconteceu no que escrevemos na semana passada. Decorria a Semana dos Baleeiros, e já tinha alinhavado esta semana que decorre, antes de ela começar.
        Volto assim atrás para registar dois momentos que me pareceram relevantes, a não hesitar em repetir nos anos vindouros. São eles relacionados com o que temos neste Pico.
        Na segunda-feira – e depois de assistirmos à actuação do Grupo Folclórico de São João – presenciámos o nascimento da Chamarrita, tal como ela nasceu nos tempos recuados, na sua originalidade, do meio do povo. Sem ajuda de ninguém.
        Num instante, a coqueluche dos tocadores da ilha – desculpem a hipérbole, sem ofensa para ausentes credenciados – perfilaram-se sobre o palco, demandaram em “fúria por aí fora”, ao comando do Canarinho, dando entender a todos, que ali “não se estava a brincar”, mas a sério, proclamando: “todos ao terreiro cada um com seu par”!
        Não se fizeram rogados. Encheram o campo com um, dois, três e mais grupos. Um redemoinho animado de corpos ritmados e cadenciados, com as vozes de ordem de movimento seguinte, e do repenicado trrrrrrr…..  quase sem fim. Não levou muito tempo, estava o terreiro, transformado em autêntico chamarritódromo. Ficou esta imagem a não perder de vista, e desculpem o brasileirismo.
                                       ***
        Na terça-feira fui ao fado a São Pedro. Coisa que não fazia por esta festa. Devo confessar que aguentei até ao fim. E que agora me apetece dizer o que senti durante o tempo que lá estive, com a máxima atenção e silêncio profundo.
        Não conhecia os artistas convidados. Todos foram excelentes, cantores e tocadores. Corresponderam ao que o Sidónio deles disse na apresentação.
Mas – desculpem-me o coração – os primeiros, os nossos dois homens do Pico, que apareceram, que abriram o espectáculo, cada um com três temas, mais uma vez demonstraram o que são, o que podem e o quanto valem. O Professor Manuel Costa e o Engenheiro José Ferreira foram os reis da noite. E foram-no, sabem porquê?
 Porque fazem da música que cantam um prazer íntimo que os acompanha, e não profissão de carreira, condicionados. Cantam porque gostam e cantam para quem gosta. São livres dos mercados. E quem é livre pode transbordar o que sente e o que lhe vai na alma. Assim vale a pena.
        Mais uma vez ficou demonstrado que temos por aqui, na ilha, gente capaz de fazer e animar a festa.
        Parabéns ao Sidónio por ter voltado ao que era seu. Ao lugar do ponto de partida.
        E pronto. Acabei a minha nota da semana, completando a posteriori, o que não disse na semana passada. É o que resulta dos apontamentos feitos antes dos eventos anunciados.
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domingo, 14 de agosto de 2011

Espírito Santo - um CD da nossa fé e firmeza

É o título do CD que o Grupo Coral das Lajes do Pico vai apresentar ao público na sessão inaugural da semana dos baleeiros no próximo dia 22. Transcrevemos o que lá se diz no intróito de apresentação.
“As músicas deste disco, na ordem como se apresentam, podem ser o retrato de um dia de festa do Senhor Espírito Santo.
O homem açoriano e cristão, perante o mistério dos tremores de terra e dos vulcões, implorou ao Deus Altíssimo, a protecção divina: atende-nos, acolhe-nos, ajuda-nos, Senhor (1). Na aflição iminente promete “levar a Coroa” e torna-se Mordomo.
Na casa de família, canta-se o Hino do Senhor Espírito Santo (2) e fazem-se as últimas orações – as mesmas que se haviam feito durante a semana anterior: “Adoremos com afectos d’alma, ó Espírito Santo Divino”…, “As vossas glórias são imortais, que a orar não podem lábios mortais” (3). Logo, de imediato, todos se preparam para o cortejo processional até à Igreja Paroquial.
Na oferta dos dons, perante o altar, agradecem-se as dádivas recebidas: “Nos meus lábios põe o canto de louvor e gratidão; pelas dádivas sem fim que nos dás por tua mão” (4). Por fim, a Coroação e o regresso à Casa do Povo.
Durante o jantar, e mais tarde, durante o arraial da distribuição do pão e do vinho, aparecem os foliões, dando largas à alegria espelhada nos semblantes de quantos participam nos festejos: “Estas mesas foram postas hoje com grande amor; foram postas em louvor do Altíssimo Senhor” (5). E já nos festejos adiantados pela tarde fora, voltam, cantando: “O Divino Espírito Santo traz graça que Deus mandou (6) e também “Pastores, à serra (7); e Ó Senhor Espírito Santo (8). Ao cair da tarde, transbordando de alegria, cantam ainda: “Recolhei-vos pomba branca, que anda caçador em terra” (9).
A noite já vem perto. É a hora de bater Trindades e de recordar que foi por obra e graça do Espírito Santo que a Virgem concebeu e deu à luz um Filho – o Verbo Redentor, ao qual tudo se deve. Bateram Trindades nas velhas herdades. Importa descansar e sonhar. “E o sonho que seja, tal qual numa igreja, a Virgem num trono e um anjo a cantar” (10). O repouso do crente que, acabando de cumprir a sua promessa, pode agora dormir de consciência tranquila.
Finalmente – sendo a segunda-feira do Espírito Santo o Dia da Região, e acontecendo ser este o dia de festa – todos assumem as suas raízes nas palavras de Natália Correia: “Deram frutos a fé e a firmeza//No esplendor de um cântico novo://Os Açores são a nossa certeza//De traçar a glória de um povo” (11).
A religiosidade popular impera, continua viva”.

E concluiria, agora para completar este apontamento jornalístico, com as palavras fé e firmeza, ambas extraídas do mesmo conceito do pensamento humano, para apregoar a toda a gente, que foi a fé do povo e a sua firmeza que nos trouxeram até aqui. Esta é a nossa herança, que importa consolidar ainda mais. A música deste disco é um pequeno contributo para consolidar ainda mais essa herança.
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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

As festas são sinais que falam....

E ocasiões para revelar o que somos e temos.
Uma festa das nossas aldeias – seja ela qual for – revela sempre alguma coisa das pessoas, das suas capacidades, dos seus sonhos satisfeitos.
        Por estes dias – no Bodo de Leite, no São João Pequenino, na Feteira, na Baixa, na Liga dos Amigos, na Mãe de Deus, e talvez ainda mais – somos confrontados com imagens de piedade e devoção, de trabalho e canseira em terra e no mar, de cor e luz, de arte e beleza.
        Os palcos movem-se, e quando é preciso constroem-se com meia dúzia de paus de faia ou de incenso, como se fazia antigamente, e sobre eles desfilam os mais diversos artistas, talvez os menos cotados, que não conseguem lugar nos grandes aglomerados.
 Também neste campo da arte, nem todos conseguem ir aos melhores palcos. É como no futebol: nem todos sabem jogar como o Falcão ou o Nuno Gomes.
        Mas têm lugar e têm espectadores que os admiram e lhe batem palmas. Quem passou por esses lugares de festa popular deu por isso. E, se calhar, alguns deles agradaram mais do que outros que tiveram a sorte de pisar os palcos das maiores festas. Vimos isso com uma dança da Terceira, na tarde de domingo passado, sobre um palco improvisado no poço da Telha. A festa do Chicharro era naquele sítio.
        E nas Ermidas e Paroquiais, quando é o caso, o religioso tem o seu lugar. É bom lembrar que a festa tradicional, geralmente, começa por aí. Mas, cuidado: já não é assim em todos os lugares. As festas ficam-se apenas pela presença secular e laica. Uma atitude que importa respeitar, pois está em conformidade com as vontades das comunidades. E ninguém se admire se a tendência aumentar e se transformar em costume. Nos dias que correm, mais se acentuam as distâncias entre as cúpulas do poder e os povos.
 Todavia, a ideia do poder absoluto já não consegue impor-se. Cada vez mais há pessoas que aceitam partilhar. O poder e os povos juntam-se, dão as mãos e fazem. Foi o que vimos no porto da Baixa – todos se juntaram, todos andavam satisfeitos, não faltou nada sobre a mesa posta em cima do cais.
Os produtos do mar abundaram e a crise andou longe, ninguém deu por falta dela. Tudo isto é o resultado de livre aceitação, de crença. Quem acredita faz o seu caminho. Os povos na concretização dos seus objectivos juntam-se, e fazem.
Ali recordei o Padre João Domingos – com quermesse instalada a favor da homenagem a ser-lhe prestada no aniversário dos seus 100 anos no ano de 2012. Foi ele que apontou o rumo certo – os melhoramentos do caminho da Baixa, a central comunitária, as canseiras burocráticas para a Ribeirinha ser freguesia; e nunca deixou de sentar-se diante das crianças a ensinar o Pai Nosso e a Ave Maria. Muito do seu exemplo foi determinante no ambiente urbano da freguesia. Era teimoso, diz-se, mas nunca foi absoluto, e deixou trabalho feito.
Outra lembrança de acontecimento importante foi o ramal que dá acesso àquele porto, antes por entre falésias íngremes de estafar quem subia ou descia. Foi obra das gentes da terra, sem projectos, nem adjudicações, nem concursos, obra do 25 de Abril, logo inaugurada pelo Comandante Sá Vaz, que veio da Horta, propositadamente para aquele efeito. Aquele Ramal continuará a ser popularmente chamado de Ramal do Porto da Baixa. No meu pensamento será o Ramal “Comandante Sá Vaz”. Foi eu próprio, que o fui buscar à Madalena para esse efeito, e depois voltar a colocá-lo no cais de regresso à Horta.
Todas estas imagens me ocorreram durante a tarde de domingo passado, no arraial da festa do Chicharro, bem saboroso para quantos o provaram. Ainda recebi um convite para ir ao São Caetano, lá no porto do Galeão. Coitado deste santo que nunca teve nada por causa da proximidade do Bom Jesus! Talvez por essa razão, recordando fracassos antigos, optei por ali continuar, com o canal em frente e São Jorge, invejoso, a olhar para esta rampa, toda colorida, pequena, mas cheia, muito cheia a transbordar.
        Importa, sim, olhar para as capacidades e os contributos que as comunidades põem em marcha na concretização dos seus momentos escolhidos, para celebrar o que lhes vai na alma, seja de fé seja de cidadania. Importa muito ir por onde indicam e gostam. Não gostam mesmo nada é de quem lhes imponha, seja lá o que for.
        Este mês tem sido pródigo. Nas esplanadas e comércios abundam os programas. São sinais positivos que importa realçar.
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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Maré Cheia, bem cheia, rasa...

Não se trata da preia-mar nem da baixa-mar. Nem tão pouco da designação popular atribuída à preia-mar – maré-cheia. Trata-se, sim, de uma metáfora. Com raízes no movimento das marés, com certeza.
Descendentes de pescadores e de baleeiros – residentes pela diáspora e em sintonia com os actuais residentes – habituados às águas do mar que as viam subir e descer todos os dias, resolveram congregar esforços e encher a freguesia das Ribeiras com o maior número possível de naturais. Daí a designação de Maré-Cheia.
Por estes dias assim acontecerá. Os naturais daquela freguesia, e residentes noutras partes do mundo, movimentaram-se nos últimos anos, no sentido de todos se encontrarem, em convívio fraterno.
O cartaz é elucidativo quanto ao programa deste encontro. Para além de outros ingredientes, escolhidos para a celebração desta enchente, surge de imediato a refeição escolhida – Sopas do Espírito Santo no dia 8.
        Sendo freguesia de pescadores e de baleeiros, naturalmente poderiam ter optado pelo caldo de peixe. Mas não. Escolheram as Sopas do Espírito Santo.
        Este pormenor da refeição escolhida poderá não ter surgido por acaso. Os povos costumam ter o seu dia-a-dia todo preenchido, quase sempre de forma rotineira, sem tempo, por vezes, para o diálogo e o convívio aberto e descontraído. Assim acontecia nas fainas da pesca e da baleia. Nem tempo havia para o descanso.
Também os povos costumam ter ocasiões mais selectivas, mais culturais, mais íntimas. Geralmente com a mistura do religioso com o profano.
        Aqui, poderá ter sucedido o mesmo. Nesta freguesia – como em muitas outras nesta ilha – são as refeições da festa do Espírito Santo que congregam mais público, despertam mais entusiasmo e alegria. Celebrar o Espírito Santo é quase um dever sagrado. E nesta freguesia foi sempre tradição acentuada, sempre feita com maior relevo e aprumo.
Convém, todavia, referir que a tradição do Espírito Santo, além de ser religiosa, é também cultural, vai para além do simplesmente religioso.
 Nos tempos certos andam juntas. Neste encontro, porém, como não é promessa a cumprir, prevaleceu a segunda. O primeiro sempre mais restrito, o segundo mais universal.
 Maré-Cheia é aproximação das pessoas, é encontro fraterno do cidadão secular que revisita lugares e costumes da sua terra natal.
 A cultura tem um carácter muito nobre – não exclui. A cultura é viva. Nas casas, nos salões, nas ruas, nas decorações, nos foguetes, na música. Por outras palavras, dá ambiente ao convívio que é de todos. É pela cultura que os povos se identificam, redundante é repeti-lo.
Os caldos de peixe e outros ingredientes da saudade ficaram para outras ocasiões não menos vividas. O programa é extenso, e não se esgota no indicado para o dia 8.
Além do mais, este acontecimento em Santa Cruz das Ribeiras, na minha modesta opinião, é assunto relevante. Que marca o mês de Agosto de 2011 na Ilha do Pico.
Há que louvar uma iniciativa desta natureza e dar-lhe o devido relevo. Um apelo à reunião de todos os ausentes, na terra mãe, não acontece todos os dias. Estão todos de parabéns.
A todos saúdo, sem excepção. Mesmo sem saber se estará presente, (escrevo este apontamento no dia 1 do corrente), lembro o companheiro das primeiras viagens para Angra a caminho do seminário – o Orlando Quaresma. Nestes dias, ausente ou presente, estará com todos os seus, um alento para a vida presente e uma força para os anos da idade terceira.
Na tua figura, caro amigo, saúdo os mentores da iniciativa apontando-a como exemplo das boas iniciativas que raramente acontecem. Não é todos os dias que vemos uma freguesia inteira da diáspora voltar à terra-mãe, juntar-se aos que ficaram, encher a freguesia, para celebrar a vida. A maré vai encher, vai ficar rasa! Um aplauso do tamanho da Montanha!
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