sábado, 19 de março de 2011

Cónego José Garcia

Recordo-o ainda a descer os degraus dos teólogos, lá de cima do último andar, aonde cada aluno tinha o seu quarto para estudar e repousar no silêncio imposto pelo horário da instituição.
       Não era dado a futebóis nos recreios. Mais dado à interioridade, sem deixar de ser alegre e benquisto junto dos outros que o rodeavam.
       Mais tarde, melhor o conheci nas tarefas paroquiais que lhe destinaram na Sé Catedral de Angra. Aqui, sim, conheci-o perfeitamente.
        Durante anos foi admirado e querido na Catedral pelos frequentadores da cidade – praticantes e não praticantes – que nunca lhe faltaram com a adesão às suas solicitações. Foi sobretudo na implementação da liturgia pós conciliar que mais se notabilizou. Ali, na Sé, havia o exemplo claro e nítido de como “as coisas” deveriam ser feitas. Sem excessos, apenas e só com o essencial.
        Foi assim que conheci o Cónego José Garcia. “Pontífice” para a nova geração de então, como então, alegremente e sem maldades, era tido e achado por quem dele se aproximava. Foi sempre cavalheiro, compreensivo e acolhedor.
Nunca relegou ninguém, mesmo dos que com ele não concordavam. E foram muitos. Hoje, passados estes anos – e agora por ocasião do seu falecimento – alguém ainda vivo e de nome feito, lembra os tempos idos, como sendo tempos da “crise sacerdotal”, e do seu papel no meio da tempestade.
O Padre José Garcia foi, na verdade, “um gigante no seu campo de acção”, e foi um “gigante” no meio da turbulência, motivada e incentivada mais pelos de dentro do que pelos de fora. O Cónego Garcia foi sempre frontal, e sempre apoiou quem dele se aproximava. Nunca virou as costas.
Os mestres de então, nas suas “tebaidas” instalados, depressa fugiram. Viraram-se para dentro das quatro paredes, lavaram as mãos como Pilatos, e deixaram as tropas à deriva. Ainda hoje são notórios os seus olhares enviesados e convictos de únicos ícones de salvação eterna.
 Não houve nenhuma crise. Houve, sim, confronto de ideias e de pensamentos. E cada um, conforme as orientações dos formadores, assimiladas durante anos de internamento, seguiu a sua convicção. Não ficaram sendo presa dos que depressa regressaram aos aposentos. Preferiram a liberdade de consciência.
É justo não esquecer quem muito deu “sem olhar a quem”. Se o falecimento do P. Garcia é ocasião para enaltecer, justamente, a sua figura, é também ocasião para, justamente, recordar os novos companheiros de então, alguns também já falecidos, que sempre sentiram a sua mão acolhedora. Agora juntos, no “vale dos caídos”, mereçam a recompensa que os humanos não souberam dar.
Este momento é de admiração e respeito. Por todos os que sofreram e enfrentaram as garras do leão. Recordo com saudade a posição cordial e firme do P. José Garcia, no seu trajecto que escolheu. Também teve de suportar e de enfrentar incompreensões múltiplas. Valeu-lhe a sua estrutura intelectual, exemplar e moral, de amor às coisas da Igreja, e do apoio e admiração que sempre granjeou junto da população de Angra.
Esteve sempre ao lado dos novos companheiros, traídos pelo poder instalado do presbitério. Tarde virá outro de igual estatura moral que lhe faça companhia na galeria dos notáveis da sala capitular da Sé de Angra.
É o meu testemunho a quem sempre me cumprimentou com alegria e boa disposição humana. Faleceu a 15 do corrente na Clínica do Bom Jesus em Ponta Delgada. Paz à sua alma.
Manuel Emílio Porto (altodoscedros.blogspot.com)