quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Os tres poderes

       
“Os observadores que estavam na Praça de São Pedro no dia 14 de Outubro para o tradicional “Angelus Domini”, viram que o escudo de Bento XVI, pendente na janela, incluía uma novidade – a substituição da Mitra pela Tiara. Desconhecem-se as razões desta mudança”. Assim lemos, num jornal de língua estrangeira.
Adiantámos, de imediato, o seguinte corolário: uma mudança que revela retrocesso. Se o Papa elimina um sinal religioso, a Mitra, e o substitui por um outro estritamente político, imperial e autoritário, a Tiara, – é porque pensa que o papado anda fragilizado na sua credibilidade. Uma maneira de lembrar a todo o mundo os poderes que se tem, ou uma forma subtil de impor a autoridade.
        Paulo VI deixou de usar a Tiara, uma imensa coroa de três níveis com muitas pedras preciosas. Foi em 1963, depois do Vaticano II. Deu-a, de oferta, ao povo católico dos Estados Unidos da América. Despojou-se dela num gesto muito louvado, na altura.
        Os sinais que se vem revelando, levam muitos a classificar Bento XVI “como o Papa amigo de recuperar símbolos da Idade Média”. No que diz respeito à Tiara, explicam que ela representa os três poderes que detêm os Pontífices: o magistério (definir o que é verdade), santificar (perdoar os pecados e administrar os sacramentos) e governar (a Igreja). Um sinal claro do poder papal na sua tríplice forma: ensinar, santificar, governar.
        Naturalmente que nem tudo são rosas por essa Europa fora. E se as coisas não são tão boas como já foram em relação às práticas religiosas, isso tem mais a ver com a dinâmica das próprias sociedades, que muito rapidamente, se transformam, dando origem a novos comportamentos de vida. A Igreja terá acompanhado essa dinâmica? É a questão que se põe.
 Os comportamentos internos estagnaram, permaneceram fixos, desconexos da vida. O novelo institucional estagnou. Fechou-se em si mesmo. Não se estendeu pelos novos tempos.
Por ser assim, sentirá o Papa a necessidade de afirmar que é ele que “ensina, santifica e governa”? Que todos lhe devem submissão e obediência, como sempre foi no passado? Não encontra ambiente, à sua volta, para ir ao encontro do mundo que “pula e avança”?
        A nosso ver não serão os dogmas do passado que vão trazer de volta a Europa ao seio da Santa Igreja Católica Romana. Nem a restauração de práticas e costumes medievos. Hoje, valem mais as decisões oportunas e transparentes do que encenações puramente visuais. Hoje, são outros os hábitos e outras as maneiras de vida.
 Tenha-se em conta que as grandes viagens e as grandes multidões não evangelizam; apenas são “fogo de vista”. São acontecimentos mediáticos. Viagens geradoras de ilusões. Passados que são esses momentos de “euforia”, tudo volta à estaca zero – cada um vai para o seu lado, para o seu afazer.
        Ficam as palavras do discurso. Palavras repetidas muitas vezes nas igrejas e nos jornais, mas que não passam daí. Os destinatários são outros, vivem noutros pensamentos e noutras utopias. Os tempos são outros, e para eles, outros são os discursos, não as reinvenções do passado.
Voltarão os fiéis a ir, em massa, à missa dominical? A comprar as bulas da quaresma? A guardar jejum antes de comungar? A ouvir missa em latim? A ver um seminarista com a prima tonsura? A acreditar em tudo o que vem de cima?
As práticas que já foram, que desapareceram, que ainda se mantém ou são quase residuais, insistir na sua prática é tempo perdido. Esta análise é comum, nem é nossa. Não estamos a inventar nada.
        A autoridade vem de cima. É absoluta. Vem de Deus. Nem toda a gente aceita este tipo de autoridade. Todavia, ela não é imposta, é proposta. E assim sendo, não é com sinais autoritários que se restaura a credibilidade, e muito menos com aparências. A credibilidade impõe-se por si mesma.
Se já foi regra a estória de Frei Tomás, hoje já não vale a pena ir por aí. Insistir nas fardas, nos hábitos, nas formalidades, nas coisas visuais, é facilitar e dar lugar ao encobrimento dos defeitos e dos desvios anti-evangélicos. “O hábito não faz o monge, mas ajuda a fazê-lo”, é adágio de outros tempos. Hoje pode ser sinónimo de hipocrisia. As últimas histórias foram elucidativas. Mais seguro será sempre o caminho das convicções transparentes.
        A Tiara e a Sede Gestatória voltarão de novo? Pelo que se vem notando, tudo é possível. Se voltarem, uns vão aplaudir, outros não. Respeitamos e respeitaremos sempre o Papa, num caso ou noutro. Apesar das suas vaidades, que também as têm. E ninguém verá mal nisso!
Todos os crentes são obrigados a aceitar e a respeitar os novos Papas, mas nem todos são obrigados a gostar deles. Como muitos outros por esse mundo fora, que fizeram e fazem os seus percursos opcionais, o mesmo sucedeu: aos poucos fomos moldando os nossos gostos – João XXIII e Paulo VI são os preferidos.
        “Oremus pro Pontífice nostro Benedicto… et non tradet eum inimicorum ejus”. Bela a partitura de Licínio Refice, a 3 vozes masculinas, para esta oração ao Papa, quando executada com as palavras Joanem e Paulum. Hoje seria difícil a sua adaptação.
 As partituras servem para cantar palavras, mas só servem para algumas. Os nomes mudam. E quando mudam, as partituras têm de ser outras. As adaptações que se fazem, nem sempre resultam. Dão em asneira.
Continuação de Bons Anos.
                Manuel Emílio Porto