domingo, 30 de janeiro de 2011

"Reavivar a fé no Pico"

        “Temos que olhar para a nossa maneira de fazer pastoral, de fazer catequese, porque não estamos, de modo algum, a conseguir passar testemunho para as gerações mais novas”, sublinha o Bispo de Angra, em entrevista à Agencia Ecclesia.
        Apesar das suas “fortes raízes cristãs”, de onde brotaram “muitas vocações”, o Pico, segunda maior ilha do Arquipélago dos Açores, enfrenta actualmente um período de estagnação religiosa, visível a partir das gerações mais novas. “Há padres e catequistas que me dizem que muitas crianças já nem sequer vão à missa”, lamenta D. António de Sousa Braga, apontando a falta de um compromisso forte por parte das famílias, “que não ajudam as paróquias na educação para a fé”. Perante este quadro, onde “até os movimentos eclesiais têm uma presença muito frágil”, o prelado considera urgente começar pela base, “aprofundando caminhos de relação pessoal com Deus”.
       
O texto é a transcrição literal da Agência ECCLESIA de 3 de Janeiro de 2011, sobre a visita pastoral do Bispo de Angra à ilha do Pico, sob o lema de “Reavivar as raízes cristãs”.
        Vários comentários, a propósito, nos têm vindo à mente durante os últimos dias. Movidos apenas pelo interesse que o assunto nos suscita. Estamos do outro lado, somos do povo receptor. Nada mais.
        1 – Naturalmente que são as famílias as primeiras educadoras dos seus filhos. Não só na fé como em tudo o que envolve a educação humana. É importante sublinhar que os açorianos receberam da Igreja a mensagem da fé, pelos Bispos e seus enviados.
Os pais, e encarregados de educação, são os primeiros companheiros da juventude. Em casa há um ambiente educacional que tem origem no passado. E foram muitas as influências culturais e religiosas que tiveram. Esse ambiente, deficitário ou não, e hoje multi-cultural, é a base para enfrentar a renovação que se pretende. Como ir ao seu encontro? Eis a questão.
As famílias são o alvo de todas as políticas – sociais e religiosas. Elas são o resultado dos seus governos – profanos e religiosos. Nunca poderão ser responsabilizadas pela sua falta de receptividade. Precisam, antes de mais, de acreditar no que lhes dizem.
A fé que ainda existe nesta ilha foi transmitida pelos que já não se encontram connosco, os que já faleceram. As continuidades e as alternativas que tem surgido nos últimos tempos, pouco têm convencido. Mais parecem ser “folhas agitadas pelo vento”.
Uma família, se nada a cativa ou atrai, se não vê crédito, retrai-se, fica-se em si mesma. Quando, uma família entra numa igreja e ouve um pregador, usando abusivamente do púlpito para ofender em vez de o usar para ensinar, naturalmente que, depois de sair, pode chegar à conclusão ser melhor não voltar. O primeiro a respeitar a Igreja é o ministro pregador. E quem não respeita o lugar que ocupa, não merece crédito.
Antes de se pedir às famílias um “compromisso forte” deverá pedir-se maior empenho do poder transmissor da fé. O pastor procura, vai ao encontro.
2 - Os poucos jornais da Igreja, nos Açores, são locais de dar testemunho. São poucos os textos publicados que tratam da formação cristã, feita criticamente, livre e desapaixonadamente. Onde estão os novos “teólogos” destes tempos que correm? Um jornal, como “O Dever”, não pode nem deve limitar-se a “colagens” tiradas de outros jornais. É limitar o jornal e perder tempo. O leitor apercebe-se disso e já não lê. Muito menos não deve anunciar calendários de “confissões”, nem anunciar tarefas pré-programadas para o ano todo.
Estes assuntos só tem cabimento nos Boletins Paroquiais que se distribuem na Igreja ou se levam às casas de cada um. Nunca, num jornal generalista que “vai para todo o mundo”. Uma pergunta: onde existe nesta ilha o Boletim Paroquial ou Inter-paroquial? Se existe, o nosso aplauso.
E neste ponto, convém recordar Bento XVI, que, apesar de suas orientações viradas para o passado, apelou ao uso das novas tecnologias. São uma forma de ir ao encontro dos fiéis. Aqui, sim, são os lugares certos para os calendários dos serviços religiosos. Mas, cuidado: não fazer de um blog uma caixa de disparates, por vezes, ofensivos.
3 – A Liturgia é o coração de uma igreja paroquial. Assim, ainda pensamos. Tudo começa e termina numa liturgia que se pensa e se pratica, dentro e fora das paredes do templo. Tudo o que à sua volta se põe e dispõe tem de contribuir para edificar.
Um episódio, passado há pouco tempo atrás, revelava que um sacerdote, indo confessar para uma paróquia, dizia no fim das confissões: “ninguém apareceu para se confessar”, “estão todos santificados nesta terra”. E repetia a afirmação aos seus paroquianos na homilia do domingo seguinte.
Esta expressão de que “ninguém apareceu” e de que “estão todos santificados nesta terra”, pode querer dizer isso mesmo: estamos numa terra de gente santificada! Por outras palavras, cada um é que sabe de si, que nada tem de pecaminoso na sua consciência, e que por isso não se confessa.
Não houve, ao que sabemos, evolução teológica neste sentido. São poucos os penitentes, é um facto. Os afastamentos não são virtuais, são reais. Talvez o povo praticante esteja a seguir o melhor caminho – a sua própria consciência.
 4 - Esta ilha sempre teve – ainda nos lembramos bem disso – na Madalena e na Criação Velha, como os lugares de maior afluência às igrejas. Pensamos que ainda hoje esse costume se mantém. É uma tradição que já vem de longa data. Não é de hoje, nem é fruto de hoje.
A Ilha, no seu todo, continua sem dar sinais de melhorias de vida cristã. Até ouvimos a seguinte afirmação de um sacerdote, no final de um evento cultural realizado no Concelho das Lajes: “é pena estarmos longe da Madalena”. Como se o mal fosse esse mesmo: viver longe da Madalena! Naturalmente que os comentários não se fizeram esperar. A ilha é toda a ilha, e não há que fazer comparações entre uns e outros. Assim sendo, bastaria apenas uma freguesia e nada mais. Acontece que já são muitos anos de história que criaram e consolidaram costumes e fizeram tradição.
Para contrariar essa tradição, que quase se perde no tempo, veio a nova organização eclesiástica da Ilha, imposta há alguns anos atrás. Confessamos que, passados estes anos, mais nos parece ser a de um partido político, do que de um presbitério. A centralização não trouxe nada de melhor. Pelo contrário. Veja-se o caso do funcionamento da cáritas que, na base de uma centralização carregada de caprichos, acaba por dispersar vontades de muitos anos de trabalho. Veja-se o caso das mudanças havidas nesta ilha, feitas na base de afeições e compadrios. São dois exemplos que falam por si. Tal como acontecem na vida partidária, tantas vezes acusada de corrupta. Quando o mérito já nada vale, começa a valer o tudo serve. Quando assim acontece, foi-se a autoridade e o seu prestígio.
5 – “O prelado considera urgente começar pela base, aprofundando caminhos de relação pessoal com Deus”.
Perante o que vemos, esta urgência já se pratica. Já vem de longa data. As pessoas encontram os seus caminhos. Procuram os seus deuses. E fazem-no à sua maneira. Prescindindo até do sacerdote. As festas do Espírito Santo ainda são esse caminho, o que mais alimenta o povo cristão. Que só tem a presença do sacerdote, na missa de festa e na bênção do pão. O restante passa despercebido.
 Só se espera que o Espírito Santo seja mais dignificado, e não “ainda mais folclorizado” pelas ruas da cidade, rodeado de mesas de sopas, carne e vinho, à farta, numa demonstração de vaidades e compadrios políticos, quando deveria ser por devoção e fé. (Esperamos que tal não venha a acontecer nesta ilha).
Mais haveria para relatar, mas ficamos por aqui.

Conclusão:
Depois de lermos no jornal Ilha Maior a grande entrevista de D. António, verificamos que muito foi desviado. É natural.
O melhor lado é sempre o mais fácil, quando se fala para muita gente, e se tem ao lado os acólitos. Geralmente os problemas ficam nas penumbras. São as aparências que falam mais alto! É a prática tradicional – dar uma boa imagem da instituição. Mas nós estamos do outro lado. Do lado de quem vê os resultados e ouve as ressonâncias.
Há anos que nos habituámos à ideia de Povo de Deus. É dentro dessa ideia que nos colocamos e já sentimos, por experiência própria, a força que pode ter a Igreja. Fora dessa ideia só há segregação, e isso já não cabe no nosso espírito.
 Esta é uma análise só para voluntários receptivos, que gostam de ler e de saber um pouco mais. Alguns irão concordar connosco, sobretudo os que não tem voz, e que ainda acreditam. Sabemos o que foi o ontem e sabemos o que está a ser o hoje. Com a humildade que sempre cultivámos, aqui deixamos a nossa opinião. Mas o futuro não é risonho para a Igreja açoriana. Nem para o resto do mundo.
Fica a questão de “Reavivar a fé cristã no Pico”. Ou o mesmo que o Papa diz em relação à Europa, por outras palavras: “recristianizar o velho continente”. O que se passa pela Europa, também se passa por aqui – secularização acentuada, indiferentismo, afastamentos, cristianismo protestantizado.
 Ficamos à espera que sejam indicados os modos e os meios, enquanto vamos acompanhando a organização e o andamento das estratégias escolhidas.
Para concluir – e para quem não gosta dos nossos comentários – deixamos as seguintes palavras de Joseph Ratzinger (1968):
“Ainda acima do papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer primeiro, se for necessário inclusive contra o que diga a autoridade eclesiástica. O que faz falta na Igreja não são os panegiristas da ordem estabelecida, mas homens cuja humildade e obediência não sejam menores que a sua paixão pela verdade, e que amem a Igreja mais que a comodidade da sua própria carreira”. (altodoscedros.blogspot.com)
                Janeiro de 2011