Logo após o ano sacerdotal – para muitos de má memória, uma dor de cabeça para as cúpulas sacras, para outros nem tanto, para o grande público nenhuma novidade – chega agora um ano da Fé.
Muitos tiraram conclusões e todos esperavam indicações ou processos mais eficazes. Muitos continuam à espera da estaca zero que não apareceu. Mas, se assim se deseja, assim se faça, mesmo continuando com a tradicional suspeição, incómoda e persistente. O remédio mais eficaz para a cura ficará para depois. Assim sendo, vamos, agora, ao Ano da Fé, à “Porta Fidei”.
O Papa pode decretar os anos, semanas, meses e dias que entender, sobre os mais diversos motivos religiosos. Tem poder para isso. Está nas suas funções de ligar e desligar.
Sabemos todos que não há conflitos – já os houve na história – entre a razão e a fé, entre a ciência e a fé. A fé está para além da razão, do intelecto, do próprio ser. A fé é um dom.
O que se aceita, ou o que é importante ter em conta, são os motivos exteriores que podem levar ao despertar do acto de fé. O Papa pode e deve apresentar esses sinais exteriores, despertadores de fé ou de crença. Todavia, a sua aceitação é sempre livre. Brota de dentro como um dom.
Aqui não cabe lembrar o passado histórico em que a fé era imposta sob ameaça das mais horríveis torturas e até da morte. Esses tempos não voltam mais, mas por vezes, quando pensamos em Trento e nas formas da apresentação das doutrinas ou simples normas, e mesmo nas soluções encontradas para a formação específica dos cristãos, vem sempre a linguagem da ameaça: quem não acreditar será excomungado, quem não seguir este caminho será afastado. A espada do Santo Ofício está sempre pronta para o golpe final.
Esta linguagem ainda não foi abolida. E estes processos nada podem contra a fé. São inimigos da fé. A fé é um acto interior, convive com toda a liberdade interior do ser humano. Nada pode impedir ou condicionar o acto de fé. A fé é incompatível com processos desta natureza. Não pode viver sob a ameaça. Deus não ameaça ninguém.
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Sem pôr em causa a ideia do Ano da Fé, talvez, de melhor alcance ou eficácia, tivesse sido preferível seguir a ideia proposta pelo movimento “Nós Somos Igreja” – uma década de Povo de Deus.
Seria uma forma de chamar os leigos para dentro, para a participação, tendo em conta melhor formação, mais efectivo compromisso, mais renovação. Uma forma de celebrar e trazer de volta as luzes do Vaticano II, agora quase nos seus 50 anos. Apelar a uma Igreja colectiva, e não apenas de uns poucos. Na distribuição de encargos, como seja a escolha dos Bispos, e outras escolhas. Nos últimos anos foram mais as más escolhas do que as boas. Temos exemplos, flagrantes em débito de competências de muita e variada ordem.
E a fé? A fé é o resultado de tudo o que se faz, se pratica ou se aprende. Os sinais sempre presentes acabam por levar ao acto de fé. É assim que ela se desenvolve e cresce.
“É urgente considerar mais o carisma do que o género. O Papa é livre de introduzir normas para mulheres e homens, casados ou não, que são chamados pelo Evangelho”. “Manter a tradição viva e enfrentar as necessidades contemporâneas não é contraditório”.
“O magistério tem de aceitar os direitos humanos e as regras da democracia dentro da Igreja. Igualdade de direitos para homens e mulheres é indispensável”. Continuando tudo como sempre tem sido, a fé continuará a debilitar-se e a desvanecer-se. Disso ninguém tenha dúvidas.
Uma década de “Povo de Deus” será mais eficaz para os objectivos do Ano da Fé que agora começa. Não seria apenas um ano, seriam dez anos.
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escrito na ortografia antiga