O texto seguinte é de um pensador e teólogo brasileiro, chamado Leonardo Boff. Cada leitor tirará a sua conclusão.
“Actualmente há muita decepção com a Igreja Católica institucional. Está a dar-se uma dupla emigração: uma exterior, pessoas que abandonam simplesmente a Igreja, e outra interior, as que permanecem nela mas não a sentem já como um lugar espiritual. Continuam a acreditar apesar da Igreja.
Não é para menos. O Papa actual tem tomado algumas medidas radicais que tem dividido o corpo eclesial. Assumiu um caminho de confrontação com importantes episcopados, o alemão, e o francês, ao introduzir a missa em latim; articulou uma reconciliação rebuscada com a Igreja dos seguidores de Lebfebre; viciou as principais intuições renovadoras do Concílio Vaticano II, especialmente o ecumenismo, negando absurdamente o título de “Igrejas” às igrejas que não sejam a Católica e a Ortodoxa; como cardeal, foi gravemente permissivo com os pedófilos; a sua relação com a sida roça os limites do inumano.
A Igreja actual mergulhou num inverno rigoroso. A base social de apoio ao modelo antiquado do actual papa é formada por grupos conservadores, mais interessados nas realizações mediáticas, na lógica do mercado, que em propor uma mensagem adequada aos graves problemas actuais. Oferecem um “cristianismo-lexotan” apto para acalmar consciências angustiadas, mas alienado perante a humanidade sofredora.
É urgente animar estes cristãos em vias de emigração com o essencial no cristianismo. Não é seguramente o da Igreja, que não foi objecto da pregação de Jesus. Ele anunciou um sonho, o reino de Deus, em contraposição ao reino de César; Reino de Deus que representa uma revolução absoluta das relações, desde as individuais até às divinas e cósmicas.
(…)
O movimento de Jesus é certamente a força mais vigorosa do cristianismo, mais do que as Igrejas, por não estar enquadrado em instituições nem aprisionado em doutrinas e dogmas. É composto por todo o tipo de gente, das mais variadas culturas e tradições, até por agnósticos e ateus que se deixam tocar pela figura valente de Jesus, pelo sonho que anunciou, um reino de amor e liberdade, por uma ética de amor incondicional, especialmente aos pobres e aos oprimidos, e pela forma como assumiu o drama humano, no meio de humilhações, torturas, e execução na cruz. Apresentou uma imagem de Deus tão íntima e amiga da vida que é difícil prescindir dela até por quem não acredita em Deus. Muita gente diz: “se existe Deus, tem de ser como o Deus de Jesus”.
Este cristianismo como caminho espiritual é o que realmente conta. Um movimento que passou rapidamente a ser uma instituição religiosa. No seu seio elaboram-se as distintas interpretações da figura de Jesus que se transformaram em doutrinas e foram recolhidas pelos evangelhos oficiais. As igrejas, ao assumirem carácter institucional, estabeleceram critérios de pertença e de exclusão, doutrinas com referência identitária e ritos de celebração próprios. O óptimo é que caminhem juntos. O decisivo é, em todo o caso, o caminho espiritual. Este tem futuro e anima o sentido da vida.
O problema da Igreja romano católica é a sua pretensão de ser a única verdadeira. O correcto é que todas se reconheçam mutuamente, pois todas elas revelam dimensões diferentes e complementares da mensagem do nazareno. O importante é que o cristianismo mantenha o seu carácter de caminho espiritual. Ele pode sustentar tantos cristãos e cristãs perante a mediocridade e irrelevância em que caiu a Igreja actual”. L. Boff