sexta-feira, 25 de novembro de 2011

No fim das colheitas...

"O milho das Almas”
"O milho da Conceição"
        O milho cultivava-se no mais pequeno pedaço de terra. Nas hortas ribeirinhas e na meia encosta de enxada e alvião na mão; nos terrenos lavradios com bois de lavrar; e também mais no alto, em roças de relva e giesta, já em Maio adiantado.
        Os milhos, colhidos, eram secos no forno. Poucos usavam as “burras de milho” ao ar livre. Depois de cada fornada – por vezes diariamente – as esteiras, feitas de junco das lagoas do mato, eram estendidas no chão da loja ou no quarto maior da casa. Sobre elas se colocavam as maçarocas tiradas do forno, prontas para serem debulhadas.
 Sentados sobre a esteira, de pernas estendidas que apoiavam uma laje de pedra inclinada, a mão direita dava inicio à debulha, friccionando a maçaroca na pedra, caindo os grãos sobre a esteira. Nem todos tinham a máquina de debulha, um luxo só para os mais abastados. Dos que haviam regressado da rica América.
As secas dos milhos eram deveras trabalhosas e extenuantes. Na rua, bem perto da cozinha, era importante ter a lenha necessária. Gravetos para o acender do lume e achas para depois aquecer o forno. Importante ainda ter a lenha abrigada, por causa da chuva. Lenha alagada não arde, evidência pura que as mulheres da cozinha bem sabiam.
Feitas as temporadas das “secas dos milhos” – talvez umas três semanas de debulhas diárias, por vezes, mais – as caixas de pinho quase enchiam, consoante as produções relativas ao ano em curso. Havia anos bons e anos maus. Tudo se avaliava no fim das colheitas. Tudo se apaziguava e amansava nos dias seguintes, até às próximas sementeiras. O pão de milho era o mais importante numa casa. Para este ano vamos ter, para o ano que vem, sabe Deus!
Mas as pessoas também acreditavam que não estavam sós neste mundo. Eram agradecidos e sabiam que precisavam das bênçãos de Deus para as boas colheitas. Por isso, não se esqueciam dos parentes falecidos que lhe tinham deixado as propriedades, nem da protecção dos santos para a natureza que fazia germinar a semente.
Para os parentes falecidos, ou para as almas, como se dizia, colocavam pares de maçarocas sobre o adro da Igreja, no dia de Todos os Santos. Era o “milho das almas”.
 Uma imagem que ainda recordo – toda a parede do adro cheia de maçarocas, de uma ponta a outra. No mesmo dia, depois da missa, eram calculadas em alqueires, e depois arrematadas.
Para a protecção dos Santos, era a festa da Senhora da Conceição, a contemplada. Nas vésperas da festa, todas as casas eram visitadas, pedindo-se a cada família uma quantia, conforme as suas posses – um “razoila de meia quarta, uma quarta, por vezes um alqueire. Todo esse milho, em grão e já seco, era colocado sobre o sobrado, no canto da capela-mor. No dia da festa era arrematado. Era o “milho da Conceição”. Recordo anos de mais de um moio de milho.
O milho das almas e o milho da Conceição são dois momentos de uma tradição que praticamente desapareceu. Hoje, já quase nada de semelhante aparece. Os tempos já são outros. Já pouco milho para grão se semeia. Só alguns, por gosto e tradição.
Mas, tendo em atenção as crises que andam entre nós, não sabemos se algo voltará a acontecer. Os terrenos são os mesmos. Ainda existem. As pessoas e as mentalidades é que são outras. Será que o futuro aponta de novo para o campo?
A festa das Almas já passou e a da Senhora da Conceição está quase a chegar. Aqui deixo, neste apontamento, uma lembrança dos tempos que já foram. Para os velhos recordarem. E os novos, de alguma forma, também lerem, esperando que não tenham de passar por costumes desses outros tempos.
Era assim, na Ribeirinha deste Concelho.
escrito na ortografia antiga
altodoscedros.blogspot.com