sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sentido único, não há outro!

“Não penses. Se pensas, não fales. Se pensas e falas, não escrevas. Se pensas e falas e escreves, não assines com o teu nome. Se pensas e falas e escreves e assinas com o teu nome, não fiques surpreendido”.
        Parece anedota, mas não é. É o que sucede a quem anda nos corredores do Vaticano ou das Cúrias. Ou de quem se atreve a querer saber os porquês ou as causas das ordens e despachos. É o que afirma um conceituado jesuíta, consultor de uma das congregações do Vaticano.
 Antes de continuar, convém dizer que também aconteceu nas sociedades de poder concentrado numa só pessoa. Exemplos, na História, não faltam, infelizmente.
        E quanto à Igreja, toda a gente se recorda do aviso: Roma locuta est, causa finita est. Numa tradução livre, seria assim: Roma disse, está dito, mais nada a dizer, acabou a discussão.
Muito se repetia nas aulas de teologia. Uma forma de vincar bem a infalibilidade. Com o amadurecimento do espírito, que é Santo, tudo se nos revela com mais clareza, como um amanhecer lento e suave em direcção ao sol radioso do dia.
        A verdade é que o Vaticano II tentou amenizar este axioma com a colegialidade episcopal. Era uma forma de tomar decisões consensuais e não pessoais. Hoje diz-se, e parece claro, que foi a prática mais difícil de concretizar. Depressa se voltou a trás, depressa se pôs a defesa por causa do mar não entrar.
 Quando os poderes tradicionais começaram a dar sinais de insegurança, ameaçando abrir fendas, brechas, tudo aconteceu. A colegialidade ficou na gaveta e logo uma reforma cirúrgica se fez.
 Mais uns cânones, do direito canónico, de carácter assertivo, dogmático e vinculativo. O assunto ficou resolvido. Tudo ficou selado, aferrolhado a fechado a sete chaves. Ninguém pode fazer juízos sobre o Papa; ele é o representante de Deus, e como tal nunca se engana. “Contra uma sentença ou decreto do Pontífice Romano não há apelo nem recurso (Cânone 333, § 3).
 Assim está baseado todo o poder dentro da Igreja Católica, Apostólica, Romana. A Igreja do Papado, e da sua Cúria. E, muito naturalmente, assim é em toda a pirâmide, desde o cimo até às bases. Temos por aí exemplos.
Há dias, mais uma vez se ouviu, pela boca do novo Cardeal português, de que a família é a base da educação, da paz e boa convivência social. A mãe deve ter mais tempo para os filhos, para ficar em casa e cuidar deles.”
Se no passado assim aconteceu, hoje já não é assim. E mal vai a Igreja de Roma se não abre as janelas para o mundo que a rodeia. É tempo de estudar o Evangelho e aplicá-lo aos tempos de hoje. Sem ordens morais, nem condenações, nem condições impostas para servir o Senhor Deus.
Cito as palavras elucidativas de um Cardeal que participou no concilio Vaticano II: “Estou convencido de que quem governa a Igreja pode mostrar um caminho melhor do que aquele que conseguiu mostrar a encíclica Humanae vitae. A Igreja recuperará assim a credibilidade e a competência. (…) Provavelmente, o Papa não retirará do mapa a encíclica, mas pode redigir uma nova e até ir mais longe. O desejo de que o magistério diga qualquer coisa de positivo sobre a sexualidade, justifica-se. Noutros tempos, talvez tenha havido, demasiados pronunciamentos oficiais da Igreja, relativamente ao sexto mandamento. Algumas vezes teria sido melhor que tivesse ficado calada.” (Cardeal Carlo Maria Martini). E o mesmo Cardeal continua: “Depois de ler a primeira encíclica de Bento XVI, “Deus caritas est/Deus é amor”, que julgo ser o primeiro documento papal a falar de modo positivo do amor eros, pensei que a revogação na continuidade da Humanae vitae estava para acontecer. Depois veio a encíclica sobre a esperança. Mas é melhor não esperar por tal”.
O mesmo Cardeal desabafa, dizendo que em novo sonhava com outra igreja mais interventiva. Hoje, com oitenta e tal anos, diz que se limita a “rezar pela Igreja”.
É do conhecimento público: a Tradição, na Igreja, está ligada à Cúria. O que ela diz é que está conforme com a lei divina. Aliás continua a ser um dogma de fé: a tradição é fonte de inspiração divina. Assim, nada de novo, nada de reformas. O Papa e a Cúria são e fazem a Tradição, e contra este dogma não há verso nem controverso, não há diálogo, não há procura de consensos.
Dentro do Vaticano reina o secretismo. Nada deve ser dito. Vive-se com medo. Medo de se saber, medo de dizer, medo de dar opinião, medo, medo de tudo.
Assim se explicam os ambientes carregados que vão por dentro das cúrias de todo o mundo. Com exemplos desta natureza, da parte de quem prega o Evangelho, não é possível a fé na Igreja. Com estes pressupostos, perde-se autoridade, perde-se a legitimidade de promover e apelar à fé.
Depois de tantos anos decorridos, de tantas acusações aos inimigos da Igreja, de tantas perseguições, de tantos mártires, de tanta desgraça inquisitória, só nos resta exclamar: afinal as portas do inferno estão dentro da própria Igreja.
Foi ela própria que construíu o inferno que a queima e degrada cada dia que passa.. "As portas do inferno" estão dentro. Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam. Et portae inferi non praevalebunt adversus eam".
Agora melhor se compreende. A Cúria Romana é esse inferno. As normas, ditas disciplinares, acabaram por ser a negação da mensagem evangélica. Foram e são o inferno construído dentro do castelo. Nada e ninguém a poderá vencer. Os italianos dizem: "Roma faz a fé, e o mundo acredita".
Para os crentes - não quero contribuir para a falta de fé dos outros - acreditemos no Evangelho. O resto é fogo fátuo. Sem interesse.