sexta-feira, 30 de setembro de 2011

AUTARQUIAS, AS NOSSAS CASAS COMUNS...

Porque estão próximas, porque estão vocacionadas para os complementos indispensáveis. São elas que acodem.
        Num dos nossos últimos apontamentos, alertava para a necessidade de cada vez mais serem consolidadas. Quanto aos serviços que prestam às populações e quanto à necessidade das mesmas continuarem com vida, bem perto de nós.
        No dia 26 de Setembro ouvimos o primeiro-ministro, anunciar uma reforma que pode levar à extinção de freguesias ou de autarquias. Em nome de maiores poupanças e em nome de maiores eficácias.
        Naturalmente que a partir de agora por todo o país muitas vozes se vão levantar. Uns vão apoiar, outros nem tanto, outros vão ter que se conformar.
        As análises decorrerão nos partidos políticos, nas associações de desenvolvimento económico e cultural. Os jornais darão conta do que acontecerá, ou irá acontecer. Também os particulares dirão do que pensam. Estaremos atentos ao que nos vai dizer o governo regional e a oposição regional.
        Somos do grupo dos particulares, e sem pretensões. Mas de amor ao que é nosso, que importa defender, nunca abolir ou extinguir. E somos por melhores eficácias e por menor despesismo.
        O espírito associativo poderá ser uma boa experiência. Mas vamos esperar para ver e depois comentar. Estamos no Pico, e é no Pico e nos Açores que temos a nossa expectativa.
        Vivemos uma autonomia conquistada, e por isso pensamos que os ajustamentos que se tenham de fazer, passam necessariamente pelo Governo Regional e pela Oposição Regional. Não acreditamos que seja a República a mexer e a impor o que quer que seja na orgânica das nossas administrações.
        A ir por diante o que foi anunciado, a orgânica do Governo também está ameaçada. Por isso, terá que ser reajustada. As poupanças começam por aí, e só depois se estendem às autarquias.
        Aguardamos.
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escrito na ortografia antiga.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

BENTO XVI na Alemanha

“Na Alemanha, a Igreja está optimamente organizada. Mas, por detrás das estruturas, por ventura existe também a correlativa força espiritual, a força da fé de um Deus vivo? Sinceramente devemos afirmar que se verifica um excedente das estruturas em relação ao Espírito. Digo mais: a verdadeira crise da Igreja no mundo ocidental é uma crise de fé. Se não chegarmos a uma verdadeira renovação da fé, qualquer reforma estrutural permanecerá ineficaz”. São palavras do Papa. O sublinhado é nosso.

Aqui ousamos tombar o nosso isolado comentário:
Uma visão global dos fenómenos religiosos, quanto à prática cristã dos crentes e seguidores da Igreja Romana, na Europa e também em Portugal e suas ilhas, leva a esta conclusão – falta de fé, ou talvez uma prática de fé titubeante.
 Todavia, temos de procurar ir ao encontro de mais alguma coisa, sobretudo quando se volta a falar e a insistir de que a Igreja é a hierarquia e o resto é o rebanho das ovelhas. Parece que se quer andar para antes do Vaticano II, onde directamente se afirmava: a Igreja é o clero, o resto é o rebanho.
Este movimento retrógrado tem levado muita gente à desilusão e ao afastamento. O resultado é uma espécie de divórcio, ou como alguns dizem, de cisma silencioso. Seria bom não confundir afastamento com falta de fé. A fé, se estava, continua a lá estar. Os afastados continuam a ter fé.
Quando o Papa diz que a crise da Igreja é uma crise de fé, ficamos sem saber a que Igreja se refere. Se à Igreja – Povo de Deus, pós conciliar –, se à Igreja Hierárquica, de sabor pré conciliar.
Na Igreja – Povo de Deus, pós conciliar – há falta de fé, mas há abertura e receptividade, sempre houve e continua a haver. Seria temerário atribuir a falta de fé ao Povo simples que vive o seu dia a dia e que gosta de mais fazer. Convém saber um pouco das suas razões. Resumidas, são elas:
- Falta de fé de quem preside ou dirige; se os detentores do poder mostram aparências de puro laicismo, como se pode acreditar neles, no que dizem e no que fazem?
- Falta de cuidados nas celebrações; se as palavras são prefabricadas, lidas sem convicção, porque não foram estudadas, as músicas apimbalhadas, como se pode ter fé numa aparência que não engana?
Estas razões acabam por ser as causas, todas provenientes da Igreja Hierárquica, e de espírito pré-conciliar, que julga ter todo o poder no céu e na terra.
Aqui, apesar de todos os pergaminhos, realça mais o aparato do que a verdade. Já nos alertava para este fenómeno o saudoso Padre Dr. Manuel António Pimentel quando desabafava: ”boas pessoas, sim, mas não tem fé”; “boa pessoa mas não tem carisma”.
A crise da Igreja é uma crise de fé. Uma afirmação verdadeira, sim, não por ter sido dita pelo Papa, mas por ser evidente.
Sabemos que é dentro da Igreja Hierárquica que os entraves mais se acumulam. Nos seus meandros proliferam as verdadeiras causas que ela mesmo criou, imprimiu e acumulou durante séculos, em nome do poder que a sustenta. Uma teia de que tudo está interligado e definido. Um inferno que nada poderá contra ela, pois ela mesmo o criou.
Mas os tempos não perdoam, e hoje já não há pátios dos gentios que resistam. Todos falam da secularização, como se ela fosse um grande mal. Mas não é, e já se começa a aceitar como dado adquirido. Todavia, não é o bastante. Falta dar passos em frente.
Se o caminho a seguir tiver que ser o da secularização, como tudo parece indicar, então que se acabem com todos os equívocos. Que se acabem de vez com todas as leis impeditivas do desenvolvimento interior da natureza humana. (Não se compreende que as altas esferas do Vaticano não tenham ainda assinado a Carta dos Direitos do Homem).
A fé já começa a revelar-se como o cumprimento de um rito. Os homens e as mulheres serão sempre livres de o fazer. Para assumir compromissos entre si ou não. Em toda a parte. Na sociedade, na família, no emprego. Para tudo bastará uma só pedra – Jesus Cristo.
Felizmente que, neste ponto de vista, há fé abundante. Por toda a parte. Até nos que se dizem ateus. É verdade que pode não ser fé adulta, consciente, segundo os cânones dos espertos em teologia, mas fé suficiente para acreditar em Deus na figura de Jesus Cristo. E isso basta para se ser cristão. É bom lembrar que a fé não se mede aos palmos nem ao metro. A medida está dentro de cada um.
Há muito melhoramento por fazer por dentro da casa mãe. Os “pátios dos gentios” vão estar virados para esse lado? Não creio. Há muitas barreiras a quebrar. Entretanto a crise de fé continuará a aumentar, apesar das boas estruturas materiais que hoje existem por todo o lado.
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sábado, 17 de setembro de 2011

ALAMANAQUE DO PICO... barómetro do Triângulo

                Novamente recebi em casa o livrinho do senhor Manuel do Rosário, que, por suas mãos, ou por um portador, deixou na caixa do correio. Por isso, o meu muito obrigado.
        Costuma dizer-se que os almanaques servem para dispor bem. Por entre verdades consagradas, sempre se dizem meias verdades, algumas anedotas e fazem-se previsões que geralmente, ou nunca acertam ou então ficam-se pela metade. Por vezes também se dizem novidades e se dá lugar à criatividade.
O adágio de “ser de almanaque” está aqui neste livrinho muito bem expresso. Basta estar atento. Espero que esta crónica também assim seja entendida pelo autor e leitores de: “crónica de almanaque”.
        Começando pelo princípio, ficamos a saber que o ano 2012 vai ser bissexto e que começa ao Domingo, e que por isso vai ser um ano de “alguma animação”. Fiquei satisfeito por esta primeira previsão. Andamos todos com necessidade de mais ânimo e melhor ânimo.
        Os domingos começam por ser do Tempo Comum, depois são da Quaresma, Depois da Páscoa e Depois do Espírito Santo. No Advento além de 4 domingos há mais o 5º domingo, que não sei se já tem o nihil obstat de Bento XVI. Mas também não importa, pois há muita coisa que se faz e pratica sem ter a aprovação papal, e ninguém vai para o inferno por causa disso. Cuidado, todavia, por cuasa da censura do "santo ofíco" que, por vezes, aparece bem disfarçado nas costas do norte da ilha! E também pelo sul lançando impropérios contra o vento!
        A “6 de Agosto comemora-se os 150 anos da devoção ao Bom Jesus de São Mateus do Pico, e 50 anos do Cardinalato de D. José da Costa Nunes”. Aqui, a previsão é minha: os santos padroeiros da ilha, quais romeiros de longe vão ir à Procissão do Bom Jesus. É uma previsão “de almanaque”, feita, neste caso, pelo cronista.
        Quanto aos santos padroeiros, pouco se indica. Sendo um guia para usos e costumes das ilhas do triângulo, falta mais qualquer coisa. Um exemplo, logo em Janeiro: 15 de Janeiro, Santo Amaro – festa do Padroeiro na freguesia de Santo Amaro; 17 de Janeiro – Santo Antão – festa do Padroeiro na Ribeirinha; 20 de Janeiro – São Sebastião – festa do Padroeiro na Calheta do Nesquim. E assim sucessivamente à volta das ilhas do triângulo.
        No campo das adivinhas transcrevo a primeira: “qual é a diferença entre o vinho verdelho do Pico e o 25 de Abril?” Confesso que não adivinhei e fui ver: “o verdelho quanto mais velho melhor, o 25 de Abril quanto mais velho pior”. Nem toda a gente vai gostar que se diga, mas… os que gostam do verdelho vão dizer que sim, os amantes da política vão dizer que não. A verdade é que as datas acabam por serem esquecidas, o vinho renasce todos os anos. “Longe da vista, longe do coração”.
        Nos provérbios escolho o seguinte: “Julho por excelência é o melhor porto dos Açores”. Confesso que andei com a cabeça à roda e não consegui entender. Mas é assim mesmo: ou é de almanaque ou já começo a ficar velho, o que é capaz de ser o mais certo.
        Quanto a datas históricas, confesso que não estou a ver o Convento de Mafra ligado ao século XIII. Estou em crer que lhe falta ali o algarismo romano V, cinco. Será também de almanaque? Neste caso, não creio, pode ser até uma errata, o que também se admite, e até fica bem, numa publicação deste género.
        Para finalizar, a melhor verdade deste almanaque está em uma quadra de Luís G. Rosa que diz assim:
       
“Se produzir e poupar
        Faz bom governo no mundo;
        Não produzir e estragar
        Leva os países ao fundo”.
        É caso para dizer: se os nossos homens das finanças publicas assim pensassem…Mas a verdade é que não ligam ao Almanaque, não o lêem. Se o lessem sabiam como fazer! E voltando atrás em relação às previsões, mais uma que paira já no ar: o Papa, à semelhança dos tempos medievais que aprovava a criação de nações, vila e aldeias, prepara-se para extinguir algumas autarquias! As bulas já estão anunciadas. Pelo menos em rascunho.
E pronto. Foi a minha leitura parcial. O resto é para se ir lendo ao longo do ano, ver as luas, as sementeiras, as festas móveis e outras curiosidades da tradição. O tempo, esse, quase nunca bate certo. Anda todo descontrolado, mas as imagens do Pico que são prenúncio de bom ou mau tempo, aqui se encontram. Foi a Montanha o nosso primeiro barómetro, e ela é vista pelas três ilhas. É uma questão de fé.
        Como sempre ouvimos dizer: “a fé é que nos salva”. Obrigado ao senhor Manuel do Rosário, desejando boas vendas. Comprando o Almanaque do Pico, estamos a consumir o que é feito nos Açores. Uma boa norma, em falta, no Juízo do Ano. E uma forma da "coisa se ir tornando menos preta".
escrito na ortografia antiga
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

SINCERAMENTE, OBRIGADO...

Acabo de receber o livro “José Vieira Alvernaz, Patriarca das Índias, Arcebispo de Goa e Damão”, escrito por Maria Guiomar Lima, que teve a gentileza de mo enviar, de Lisboa, onde reside.
        Maria Guiomar Lima, ainda criança, residente com seus pais na Ribeirinha, foi, na década de 1950, juntamente com eles, para Angra. Nesta cidade fizeram a sua vida e ela fez os seus estudos.
Não recordo essa partida, nem recordo algum momento ocorrido em Angra. E durante estes anos todos não tive mais notícias da sua família.
        Todavia, há poucos meses tive a notícia de que Maria Guiomar Lima havia feito a biografia de D. José. De imediato, logo me despertou a curiosidade de fazer a sua leitura, já que de alguns episódios da vida de D. José, fui testemunha.
Também terá sido por sua influência que fui parar a Angra do Heroísmo. Sempre, durante a sua vida, trocámos correspondência e por muitas horas conversámos. Em Angra, poucas vezes; muitas, na Baixa, no balcão da sua adega.
 Por isso deixo aqui as minhas congratulações de apreço e simpatia para com a autora desta meritória obra, de tão ilustre figura que foi o último Patriarca das Índias, nosso conterrâneo.
Já li o livro quase todo, e sobretudo as viagens, as consultas e as diligências que Maria Guiomar fez para trazer à “tona da água” a vida de D. José Alvernaz. Não vou aqui relatá-las todas, apenas algumas. Ou melhor, tocar num ou noutro porto da viagem que teve de fazer até às costas do Malabar para colher a informação possível, nos arquivos e nas pessoas ainda vivas, que conheceram D. José.
Os caminhos, agora não marítimos, para a Índia, foram menos perigosos, sem adamastores, nem tormentas, mas minuciosos e pacientes. Também difíceis e complicados.
A Maria Guiomar Lima teve a felicidade do estudo acompanhado e personalizado de D. José, depois do seu regresso definitivo a Angra. Ia com frequência às aulas gratuitas que o Patriarca concedia a quem o procurava. Foram as primeiras fontes de informação.
Vieram depois outras. A Sociedade de Geografia de Lisboa, a Biblioteca Nacional, os jornais A União, O Dever, Correio dos Açores, A Voz de São Francisco Xavier, O Heraldo, A Índia Portuguesa e A Voz de Macau, além de outros, foram passos obrigatórios, portos dos primeiros abastecimentos para tão longa viagem.
O trabalho foi orientado pelo Professor Doutor Artur Teodoro de Matos que aconselhou Maria Guiomar a “procurar as pessoas que conheceram o último Patriarca das Índias”. E ela foi.
 Começou pelo Arquivo Histórico Ultramarino, depois o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Foi a Roma ver o que podia encontrar no Pontifício Colégio Português onde estudou Alvernaz.
Conversou com ex-combatentes em Diu e em Goa, como os senhores João Aranha e Manuel Bernardo, este último natural de São João do Pico, e que já há muito tempo sabia e falava da investigação da autora. Conversou com Pezart Correia, com o neto de Vassalo e Silva, antigo Governador de Goa, com Adriano Moreira e muitas outras individualidades que foram do tempo do Patriarca na Índia.
Concorreu a uma bolsa de estudos da Fundação Oriente, para viagem de estudo de pouca duração. A bolsa foi-lhe atribuída e lá foi até Goa, Damão e Diu e depois até Cochim.
Nestas curtas estadias teve oportunidade de consultar e ouvir os ecos deixados por Alvernaz nas terras do Oriente. Em sacerdotes ainda vivos, Cúria Diocesana, Boletim Eclesiástico de Goa e pessoas cristãs, responsáveis por instituições da Igreja.
Neste apontamento, muito mais não cabe dizer. É melhor o conselho para a aquisição desta biografia. Quem tiver oportunidade de ler esta obra, não deixe de olhar para os Agradecimentos (ou relato de uma investigação) a partir da página 247. Talvez seja mesmo bom começar por aí.
No conjunto, e pelo que me é dado recordar, a biografia está fiel a tudo o que se passou na vida deste homem do Pico. Menos, naturalmente, a sua simplicidade e humildade que o tornava reservado no que mais lhe tocava o coração, no que tinha de mais íntimo. Essa virtude levou-a consigo. É a virtude dos santos, e ele foi um santo.
Transcrevo o que está escrito nas primeiras linhas do livro:
“Era Outono de 1962, o Concílio Ecuménico Vaticano II ia começar. Um homem alto, magro, de barbas brancas desembarcou no aeroporto de Roma vindo do Oriente. Queimado pelo sol, usava a batina clara e o chapéu dos bispos missionários e parecia exausto com o olhar cansado de quem não dormia há muito. Procurou uma cara conhecida entre a multidão que aguardava passageiros, mas não viu ninguém à sua espera e baixou a cabeça ainda mais abatido. Em seguida endireitou-se, firme, espadaúdo, pegou na sua pequena mala de viagem e tomou um transporte público para o centro da cidade”.
Parabéns à Maria Guiomar Lima por esta viagem à índia, à descoberta das obras e feitos que por lá deixou José Vieira Alvernaz, filho da Ribeirinha do Pico.
Sinceramente, obrigado pela gentileza da oferta que me mandou.
 (escrito nas ortografia antiga)



sábado, 3 de setembro de 2011

IMAGENS DE TEMPOS IDOS...

Ocorrem-me imagens de tempos idos, quando o velho “João Janeiro” levava consigo algum neto para as lavras, situadas na freguesia da Piedade. No Caminho Largo, na Canada do Império, na Ponta da Ilha, no Caminho de Cima ou no Cabeço da Altamora.
 Duas boas juntas de bois puxavam o arado, enquanto o neto, atrás da rabiça, no rego aberto, lançava o grão que havia de dar a maçaroca. O sol da Primavera ainda era manso e por vezes a chuva impedia que o trabalho do dia ficasse completo. Há que abrigar, vem aí mais um sargo!...
        Ocorrem-me imagens de tempos idos, de idas e vindas às novenas da Piedade, passando pelas sementeiras de Abril e Maio. Olha, o milho nasceu bem e tem maçarocas gradas! Vai dar uns 30 alqueires!
Sempre na companhia de devotos e devotas da Senhora, os caminhos velhos do Miradouro e os novos da nova estrada para o Norte eram sempre percorridos ao som de cantigas que ecoavam por entre faias, incensos e urzes, à luz do luar e do céu estrelado.
Era Setembro e os frutos da terra já maduravam. Alguma maçaroca se colhia para assar no dia seguinte. O neto tinha esse privilégio. Vai apanhar uma!
Ocorrem-me imagens de tempos idos, quando a novena começava com a preparação da luz necessária, feita na sacristia pelo próprio Padre Soares. Era a luz incandescente a petróleo. Desfeita a escuridão da noite, vinham as condições de se ver alguma coisa: ler as orações e as letras do canto.
As romarias dos tempos idos não eram de muita gente. Imperava o isolamento, poucos tinham rádio, a estrada para o norte da Ilha estava a fazer-se. Trabalhava-se de sol a sol nos campos, nas vinhas e nos matos. Chegava-se tarde a casa, cansado, já com vontade de encostar à cama. Não havia o automóvel. Só a pé ou de burro.
Era o tempo do vapor da carreira de quinze em quinze dias, dos iates, da caça à baleia e dos primeiros atuneiros. Só às tantas da noite se saboreava o aconchego do lar. Já não havia tempo de mais nada….
Nas ofertas da festa, eram os produtos da terra: inhames, batatas, cebolas, figos, uva, melões, melancias, galináceos, bolos, coscorões, doces. A Filarmónica dava os primeiros passos, e tocava num estrado sobre as paredes do adro.
As festas da freguesia da Piedade – ao longo de todo o mês de Setembro, nas suas três invocações – Senhora da Piedade, Senhora da Rocha (hoje Senhora da Boa Viagem) e Senhora das Mercês – são ligações do coração do homem para o homem. Do homem que procura arrimo e amparo para as agruras da vida. Do homem isolado que suplica misericórdia, que suplica uma feliz deslocação para os que vão e vem de longe, do homem que sabe agradecer a felicidade dos desejos conseguidos.
Este monte de imagens ocorridas de tempos idos é uma espécie de síntese da terra que habitámos, como sendo a melhor terra do mundo. Foram a imagem desta Ponta da Ilha que merece hoje o reconhecimento de quantos a habitam e teimam em habitar. Razão tem os que lutam por melhorá-la, usando e abusando da santa teimosia dos que acreditam que tudo é possível.
Hoje, os tempos são outros. Tudo anda a modificar-se. Para melhor, sem dúvida. As mentes, por vezes, sofrem de esquecimentos. E o futuro tem urgência em saber que nada pode ser esquecido nem destruído, mas melhorado, reformado e repensado se for preciso. Para que o desejo e a utopia tenham consistência e o assento seja na primeira fila.
As maçarocas, hoje, são outras. Outros os meios. Outros os processos. São três ainda as Senhoras da Piedade. Ainda podem muito, mas já não são como eram. São menos milagreiras. Compete aos homens fazer o que lhes compete fazer. Ou melhor: continuar a fazer o que ainda está por fazer. “Fia-te na Virgem e não corras, se queres ver como é….”
Os tempos idos têm de dar lugar aos tempos novos que já chegaram e que aí vêm numa pressa desalmada. O que hoje serve, amanhã já não serve. Toda a atenção é pouca, perante tanta correria vertiginosa!
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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Agora que as festas se foram....

O mês de Agosto foi intenso em manifestações culturais – religiosas e seculares. Muitas andaram juntas, outras separadas.
É bom cultivar a unidade cultural, pois é uma matriz nossa que já vem de longa data. Mas não vem nenhum mal ao mundo se os costumes se alterarem. Por uma razão ou outra sempre se deram transformações ao longo dos tempos.
        Estamos quase a celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II. Um Concílio que apontou reformas que vingaram e que foram recebidas, de braços abertos, por responsáveis – e foram muitos – e pelos povos que as acolheram e fizeram delas práticas do caminho de Deus.
 Nesta ilha e em muitas outras, os responsáveis, o último de então, felizmente, ainda vivo, reorganizaram e puseram em marcha reformas da piedade popular. Seguiram a orientação conciliar. Fizeram trabalhos, aprovados e louvados por muitos bispos que passaram por esta e outras ilhas. Com plena aceitação dos devotos e crentes.
É tempo de consolidar e não destroçar. É tempo de consolidar indo ao encontro dos povos, que sempre tiveram disponíveis para ajudar a crescer. Será a melhor forma de celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II.
 O elemento humano, sempre presente e sempre determinante, é importante, na sua total abrangência. Lembrando corpo e alma, não pode relegar para segundo plano a fé e a transparência, e tornar-se semelhante à máquina. Nem a palavra é a da máquina, nem a música é a da máquina. Ambos são do coração. Tem de brotar de dentro. Da partilha de todos e não de um só. E o Concílio apontou para essa meta.
 O uso do vernáculo foi a maior conquista. Todos o entendem. Isso arrastou consigo maior exigência – transparência nos hábitos e nos costumes, nas linguagens e nos sinais.
E ficaria por aqui, não fosse o quadro alegórico do sábado de Lurdes, qual clarão luminoso vindo das entranhas do tempo, e que apresento aqui, como a melhor resposta para o que atrás deixo escrito.
 Com efeito, e logo no início, apareceu um dos quadros mais belos de quantos tem vindo às Lajes por estas festas, e este ano, verdade se diga, que foram todos bons.
 A figura de D. José Alvernaz, rodeada pelos seus mais directos colaboradores de Goa, Damão, Diu e Cochim, veio recordar-me a sua chegada a Roma, vindo do Oriente, sozinho, com a sua mala e sem ninguém à espera, como conta a sua biógrafa Maria Guiomar, para participar no grande evento convocado por João XXIII.
A alegoria do Professor Hélder Fernandes não poderia ter sido mais oportuna e feliz. Oportuna pelo cinquentenário que se aproxima, e consequentemente pelos benefícios que trouxe. E feliz porque revela o carinho, bem vivo, à figura de D. José, das gentes da sua terra natal. Parabéns ao Professor Hélder Fernandes.
Foram muitos os que desde o princípio tudo fizeram por aperfeiçoar, melhorar as nossas maneiras de rezar e de melhor compreender os caminhos da fé. Aquele quadro alegórico veio recordar-me João XXIII e Paulo VI. Veio dar a resposta certa, no momento certo, por tudo aquilo que se fez nesta e noutras ilhas.
Hoje os tempos são outros. Já passaram quase cinquenta anos. Muito longe ainda das metas apontadas. Vivemos o período da história em que se procuram novos caminhos, às vezes pouco incongruentes e incoerentes.  Talvez, por isso, há quem recorra ao argumento fácil e à metáfora selvagem do abutre para explicar o que não consegue, ou não sabe explicar.
Mais uma vez, parabéns ao Professor Hélder Fernandes pela alegoria que nos trouxe nos últimos dias de festa. Talvez a melhor catequese daqueles dias festivos.
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

UNIÃO MUSICAL DA PIEDADE

A Filarmónica que primeiro vi e ouvi na minha vida foi a “música da Piedade”, dirigida, suponho eu, pelo senhor Manuel Racha e depois pelo saudoso Padre Francisco Soares. Foi na festa de São Pedro, na Baixa, num palco improvisado, feito de estacas e restos de tábuas de pinho, num curral de vinha, onde hoje se situa o Salão “Ninho de Águia”.
        Tinha acabado de nascer a Filarmónica. Tinha poucos anos. Dava os primeiros passos. Já lá vão uns anos acrescentados. Por volta de 1946/47?
        Agora, percorridos estes anos todos, chegou o dia da mesma Sociedade Filarmónica inaugurar a sua sede social, lugar condigno, correspondente à qualidade que hoje manifesta nas suas actuações.
        Começo por este pormenor, por me parecer o mais adequado num acontecimento desta natureza. Qualquer trabalho merece sempre ser recompensado. Aqui aplica-se o princípio.
A Filarmónica da Piedade tem demonstrado qualidade nos seus trabalhos musicais. Isso deve-se ao empenho dos seus músicos que procuram aperfeiçoar-se. Muitos jovens, vejo-os lá bem encaixados, atentos e compenetrados do seu específico trabalho.
 Esta inauguração vem premiar o trabalho feito e proporcionar melhores condições para se procurar o aperfeiçoamento que hoje todos apreciam. Porque, é bom recordar, todos hoje procuram isso mesmo – melhor qualidade. E a cultura é uma vertente muito sensível, que se revela, sobretudo, pela qualidade que apresenta.
        Destaco nesta inauguração a presença da Orquestra Sinfónica Juvenil de Lisboa. Pelo apelo que fez aos jovens para a boa música, a música erudita, a música de qualidade. E sobretudo pelos novos horizontes que podem motivar os jovens na carreira musical. Seria imperdoável não aproveitar este agrupamento para “apadrinhar” a festa da nova sede social.
        Todavia, o que se diz do músico, também se diz do público. Os grupos musicais existem para serem ouvidos atentamente. Cabe neste apontamento uma palavra de amor para os que se dedicam á música – querem ser ouvidos com atenção.
Do público também se exige qualidade. O músico faz uma preparação intensa, para poder corresponder com a melhor qualidade possível. O público mais não fará do que responder também com qualidade. Como?
Ouvindo em silêncio absoluto. É um sinal de respeito por quantos se esforçam por apresentar um bom produto. Em música é assim, e não pode ser de outra forma.
Se nos arraiais o público troca impressões, conversa, grita, ninguém estranhará. Mas numa sala, ou num salão, o mesmo não acontece. Nem os telemóveis se permitem.
        As Bandas são uma das melhores imagens do povo. Pela forma como se apresentam, pela qualidade musical que conseguem, pela atenção que lhe prestam, pela apresentação e arrumo da sua Sede Social. Uma Banda é o espelho de uma comunidade.
        Convém destacar, neste apontamento, as outras valências do novo edifício. Que se estendem para outros horizontes sociais da freguesia, como sejam as festas de maior movimento de pessoas – as festas do Espírito Santo.
        Nesta festa esperava encontrar mais público. Talvez por não ter sido escolhido o melhor dia, talvez por isso.
        Aos poucos vamos construindo o futuro. Esperemos que as “crises”, que sempre hão-de vir, não façam abrandar a concretização de novos sonhos, nem façam morrer o que muito custou a construir.
        Parabéns à “música da Piedade”. Parabéns a toda a freguesia desta Ponta da Ilha, que suporta a “União Musical da Piedade”. Parabéns à ilha inteira.
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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Voltando à semana que decorreu...

Um apontamento para o jornal, feito “a priori” do acontecimento, corre o risco de falhar por omissão. Assim aconteceu no que escrevemos na semana passada. Decorria a Semana dos Baleeiros, e já tinha alinhavado esta semana que decorre, antes de ela começar.
        Volto assim atrás para registar dois momentos que me pareceram relevantes, a não hesitar em repetir nos anos vindouros. São eles relacionados com o que temos neste Pico.
        Na segunda-feira – e depois de assistirmos à actuação do Grupo Folclórico de São João – presenciámos o nascimento da Chamarrita, tal como ela nasceu nos tempos recuados, na sua originalidade, do meio do povo. Sem ajuda de ninguém.
        Num instante, a coqueluche dos tocadores da ilha – desculpem a hipérbole, sem ofensa para ausentes credenciados – perfilaram-se sobre o palco, demandaram em “fúria por aí fora”, ao comando do Canarinho, dando entender a todos, que ali “não se estava a brincar”, mas a sério, proclamando: “todos ao terreiro cada um com seu par”!
        Não se fizeram rogados. Encheram o campo com um, dois, três e mais grupos. Um redemoinho animado de corpos ritmados e cadenciados, com as vozes de ordem de movimento seguinte, e do repenicado trrrrrrr…..  quase sem fim. Não levou muito tempo, estava o terreiro, transformado em autêntico chamarritódromo. Ficou esta imagem a não perder de vista, e desculpem o brasileirismo.
                                       ***
        Na terça-feira fui ao fado a São Pedro. Coisa que não fazia por esta festa. Devo confessar que aguentei até ao fim. E que agora me apetece dizer o que senti durante o tempo que lá estive, com a máxima atenção e silêncio profundo.
        Não conhecia os artistas convidados. Todos foram excelentes, cantores e tocadores. Corresponderam ao que o Sidónio deles disse na apresentação.
Mas – desculpem-me o coração – os primeiros, os nossos dois homens do Pico, que apareceram, que abriram o espectáculo, cada um com três temas, mais uma vez demonstraram o que são, o que podem e o quanto valem. O Professor Manuel Costa e o Engenheiro José Ferreira foram os reis da noite. E foram-no, sabem porquê?
 Porque fazem da música que cantam um prazer íntimo que os acompanha, e não profissão de carreira, condicionados. Cantam porque gostam e cantam para quem gosta. São livres dos mercados. E quem é livre pode transbordar o que sente e o que lhe vai na alma. Assim vale a pena.
        Mais uma vez ficou demonstrado que temos por aqui, na ilha, gente capaz de fazer e animar a festa.
        Parabéns ao Sidónio por ter voltado ao que era seu. Ao lugar do ponto de partida.
        E pronto. Acabei a minha nota da semana, completando a posteriori, o que não disse na semana passada. É o que resulta dos apontamentos feitos antes dos eventos anunciados.
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domingo, 14 de agosto de 2011

Espírito Santo - um CD da nossa fé e firmeza

É o título do CD que o Grupo Coral das Lajes do Pico vai apresentar ao público na sessão inaugural da semana dos baleeiros no próximo dia 22. Transcrevemos o que lá se diz no intróito de apresentação.
“As músicas deste disco, na ordem como se apresentam, podem ser o retrato de um dia de festa do Senhor Espírito Santo.
O homem açoriano e cristão, perante o mistério dos tremores de terra e dos vulcões, implorou ao Deus Altíssimo, a protecção divina: atende-nos, acolhe-nos, ajuda-nos, Senhor (1). Na aflição iminente promete “levar a Coroa” e torna-se Mordomo.
Na casa de família, canta-se o Hino do Senhor Espírito Santo (2) e fazem-se as últimas orações – as mesmas que se haviam feito durante a semana anterior: “Adoremos com afectos d’alma, ó Espírito Santo Divino”…, “As vossas glórias são imortais, que a orar não podem lábios mortais” (3). Logo, de imediato, todos se preparam para o cortejo processional até à Igreja Paroquial.
Na oferta dos dons, perante o altar, agradecem-se as dádivas recebidas: “Nos meus lábios põe o canto de louvor e gratidão; pelas dádivas sem fim que nos dás por tua mão” (4). Por fim, a Coroação e o regresso à Casa do Povo.
Durante o jantar, e mais tarde, durante o arraial da distribuição do pão e do vinho, aparecem os foliões, dando largas à alegria espelhada nos semblantes de quantos participam nos festejos: “Estas mesas foram postas hoje com grande amor; foram postas em louvor do Altíssimo Senhor” (5). E já nos festejos adiantados pela tarde fora, voltam, cantando: “O Divino Espírito Santo traz graça que Deus mandou (6) e também “Pastores, à serra (7); e Ó Senhor Espírito Santo (8). Ao cair da tarde, transbordando de alegria, cantam ainda: “Recolhei-vos pomba branca, que anda caçador em terra” (9).
A noite já vem perto. É a hora de bater Trindades e de recordar que foi por obra e graça do Espírito Santo que a Virgem concebeu e deu à luz um Filho – o Verbo Redentor, ao qual tudo se deve. Bateram Trindades nas velhas herdades. Importa descansar e sonhar. “E o sonho que seja, tal qual numa igreja, a Virgem num trono e um anjo a cantar” (10). O repouso do crente que, acabando de cumprir a sua promessa, pode agora dormir de consciência tranquila.
Finalmente – sendo a segunda-feira do Espírito Santo o Dia da Região, e acontecendo ser este o dia de festa – todos assumem as suas raízes nas palavras de Natália Correia: “Deram frutos a fé e a firmeza//No esplendor de um cântico novo://Os Açores são a nossa certeza//De traçar a glória de um povo” (11).
A religiosidade popular impera, continua viva”.

E concluiria, agora para completar este apontamento jornalístico, com as palavras fé e firmeza, ambas extraídas do mesmo conceito do pensamento humano, para apregoar a toda a gente, que foi a fé do povo e a sua firmeza que nos trouxeram até aqui. Esta é a nossa herança, que importa consolidar ainda mais. A música deste disco é um pequeno contributo para consolidar ainda mais essa herança.
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Texto escrito na antiga ortografia



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

As festas são sinais que falam....

E ocasiões para revelar o que somos e temos.
Uma festa das nossas aldeias – seja ela qual for – revela sempre alguma coisa das pessoas, das suas capacidades, dos seus sonhos satisfeitos.
        Por estes dias – no Bodo de Leite, no São João Pequenino, na Feteira, na Baixa, na Liga dos Amigos, na Mãe de Deus, e talvez ainda mais – somos confrontados com imagens de piedade e devoção, de trabalho e canseira em terra e no mar, de cor e luz, de arte e beleza.
        Os palcos movem-se, e quando é preciso constroem-se com meia dúzia de paus de faia ou de incenso, como se fazia antigamente, e sobre eles desfilam os mais diversos artistas, talvez os menos cotados, que não conseguem lugar nos grandes aglomerados.
 Também neste campo da arte, nem todos conseguem ir aos melhores palcos. É como no futebol: nem todos sabem jogar como o Falcão ou o Nuno Gomes.
        Mas têm lugar e têm espectadores que os admiram e lhe batem palmas. Quem passou por esses lugares de festa popular deu por isso. E, se calhar, alguns deles agradaram mais do que outros que tiveram a sorte de pisar os palcos das maiores festas. Vimos isso com uma dança da Terceira, na tarde de domingo passado, sobre um palco improvisado no poço da Telha. A festa do Chicharro era naquele sítio.
        E nas Ermidas e Paroquiais, quando é o caso, o religioso tem o seu lugar. É bom lembrar que a festa tradicional, geralmente, começa por aí. Mas, cuidado: já não é assim em todos os lugares. As festas ficam-se apenas pela presença secular e laica. Uma atitude que importa respeitar, pois está em conformidade com as vontades das comunidades. E ninguém se admire se a tendência aumentar e se transformar em costume. Nos dias que correm, mais se acentuam as distâncias entre as cúpulas do poder e os povos.
 Todavia, a ideia do poder absoluto já não consegue impor-se. Cada vez mais há pessoas que aceitam partilhar. O poder e os povos juntam-se, dão as mãos e fazem. Foi o que vimos no porto da Baixa – todos se juntaram, todos andavam satisfeitos, não faltou nada sobre a mesa posta em cima do cais.
Os produtos do mar abundaram e a crise andou longe, ninguém deu por falta dela. Tudo isto é o resultado de livre aceitação, de crença. Quem acredita faz o seu caminho. Os povos na concretização dos seus objectivos juntam-se, e fazem.
Ali recordei o Padre João Domingos – com quermesse instalada a favor da homenagem a ser-lhe prestada no aniversário dos seus 100 anos no ano de 2012. Foi ele que apontou o rumo certo – os melhoramentos do caminho da Baixa, a central comunitária, as canseiras burocráticas para a Ribeirinha ser freguesia; e nunca deixou de sentar-se diante das crianças a ensinar o Pai Nosso e a Ave Maria. Muito do seu exemplo foi determinante no ambiente urbano da freguesia. Era teimoso, diz-se, mas nunca foi absoluto, e deixou trabalho feito.
Outra lembrança de acontecimento importante foi o ramal que dá acesso àquele porto, antes por entre falésias íngremes de estafar quem subia ou descia. Foi obra das gentes da terra, sem projectos, nem adjudicações, nem concursos, obra do 25 de Abril, logo inaugurada pelo Comandante Sá Vaz, que veio da Horta, propositadamente para aquele efeito. Aquele Ramal continuará a ser popularmente chamado de Ramal do Porto da Baixa. No meu pensamento será o Ramal “Comandante Sá Vaz”. Foi eu próprio, que o fui buscar à Madalena para esse efeito, e depois voltar a colocá-lo no cais de regresso à Horta.
Todas estas imagens me ocorreram durante a tarde de domingo passado, no arraial da festa do Chicharro, bem saboroso para quantos o provaram. Ainda recebi um convite para ir ao São Caetano, lá no porto do Galeão. Coitado deste santo que nunca teve nada por causa da proximidade do Bom Jesus! Talvez por essa razão, recordando fracassos antigos, optei por ali continuar, com o canal em frente e São Jorge, invejoso, a olhar para esta rampa, toda colorida, pequena, mas cheia, muito cheia a transbordar.
        Importa, sim, olhar para as capacidades e os contributos que as comunidades põem em marcha na concretização dos seus momentos escolhidos, para celebrar o que lhes vai na alma, seja de fé seja de cidadania. Importa muito ir por onde indicam e gostam. Não gostam mesmo nada é de quem lhes imponha, seja lá o que for.
        Este mês tem sido pródigo. Nas esplanadas e comércios abundam os programas. São sinais positivos que importa realçar.
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escrito na ortografia antiga
       
       
       



terça-feira, 2 de agosto de 2011

Maré Cheia, bem cheia, rasa...

Não se trata da preia-mar nem da baixa-mar. Nem tão pouco da designação popular atribuída à preia-mar – maré-cheia. Trata-se, sim, de uma metáfora. Com raízes no movimento das marés, com certeza.
Descendentes de pescadores e de baleeiros – residentes pela diáspora e em sintonia com os actuais residentes – habituados às águas do mar que as viam subir e descer todos os dias, resolveram congregar esforços e encher a freguesia das Ribeiras com o maior número possível de naturais. Daí a designação de Maré-Cheia.
Por estes dias assim acontecerá. Os naturais daquela freguesia, e residentes noutras partes do mundo, movimentaram-se nos últimos anos, no sentido de todos se encontrarem, em convívio fraterno.
O cartaz é elucidativo quanto ao programa deste encontro. Para além de outros ingredientes, escolhidos para a celebração desta enchente, surge de imediato a refeição escolhida – Sopas do Espírito Santo no dia 8.
        Sendo freguesia de pescadores e de baleeiros, naturalmente poderiam ter optado pelo caldo de peixe. Mas não. Escolheram as Sopas do Espírito Santo.
        Este pormenor da refeição escolhida poderá não ter surgido por acaso. Os povos costumam ter o seu dia-a-dia todo preenchido, quase sempre de forma rotineira, sem tempo, por vezes, para o diálogo e o convívio aberto e descontraído. Assim acontecia nas fainas da pesca e da baleia. Nem tempo havia para o descanso.
Também os povos costumam ter ocasiões mais selectivas, mais culturais, mais íntimas. Geralmente com a mistura do religioso com o profano.
        Aqui, poderá ter sucedido o mesmo. Nesta freguesia – como em muitas outras nesta ilha – são as refeições da festa do Espírito Santo que congregam mais público, despertam mais entusiasmo e alegria. Celebrar o Espírito Santo é quase um dever sagrado. E nesta freguesia foi sempre tradição acentuada, sempre feita com maior relevo e aprumo.
Convém, todavia, referir que a tradição do Espírito Santo, além de ser religiosa, é também cultural, vai para além do simplesmente religioso.
 Nos tempos certos andam juntas. Neste encontro, porém, como não é promessa a cumprir, prevaleceu a segunda. O primeiro sempre mais restrito, o segundo mais universal.
 Maré-Cheia é aproximação das pessoas, é encontro fraterno do cidadão secular que revisita lugares e costumes da sua terra natal.
 A cultura tem um carácter muito nobre – não exclui. A cultura é viva. Nas casas, nos salões, nas ruas, nas decorações, nos foguetes, na música. Por outras palavras, dá ambiente ao convívio que é de todos. É pela cultura que os povos se identificam, redundante é repeti-lo.
Os caldos de peixe e outros ingredientes da saudade ficaram para outras ocasiões não menos vividas. O programa é extenso, e não se esgota no indicado para o dia 8.
Além do mais, este acontecimento em Santa Cruz das Ribeiras, na minha modesta opinião, é assunto relevante. Que marca o mês de Agosto de 2011 na Ilha do Pico.
Há que louvar uma iniciativa desta natureza e dar-lhe o devido relevo. Um apelo à reunião de todos os ausentes, na terra mãe, não acontece todos os dias. Estão todos de parabéns.
A todos saúdo, sem excepção. Mesmo sem saber se estará presente, (escrevo este apontamento no dia 1 do corrente), lembro o companheiro das primeiras viagens para Angra a caminho do seminário – o Orlando Quaresma. Nestes dias, ausente ou presente, estará com todos os seus, um alento para a vida presente e uma força para os anos da idade terceira.
Na tua figura, caro amigo, saúdo os mentores da iniciativa apontando-a como exemplo das boas iniciativas que raramente acontecem. Não é todos os dias que vemos uma freguesia inteira da diáspora voltar à terra-mãe, juntar-se aos que ficaram, encher a freguesia, para celebrar a vida. A maré vai encher, vai ficar rasa! Um aplauso do tamanho da Montanha!
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- texto escrito na ortografia antiga



domingo, 31 de julho de 2011

Mais outras novas coisas velhas...

Parecem estar a chegar, ou já vem chegando.
O Cardeal Cañizares, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos do Vaticano, anda a recomendar que a comunhão dos fiéis se faça, como antigamente – na boca e de joelhos.
 Tudo indica que será mais uma reconquista de Bento XVI. É uma prática que ele próprio vem implementando, e por isso se admite que depressa será outra norma a recuperar.
 As opiniões e os comentários já se fizeram sentir; não no sentido de uma rejeição total, mas numa aceitação com reservas, já que sempre houve respeito no acto de ser de pé e na mão. Na última Ceia, Cristo não meteu o pão na boca dos Apóstolos, foram estes que lhe pegaram e o tomaram.
Os mais obedientes, escrupulosos e submissos vão aceitar. Vendo diabos em toda parte, vão lançar anátemas aos quatro ventos contra os que não aceitarem.
Outros vão continuar como até aqui. E se o poder for de imposição, serão menos a incomodar.
Cada dia que passa, são dados passos à retaguarda. Todos os dias o castelo é remendado e retocado com mais materiais fora de uso. Remendos para pouca duração.
Hoje em dia, a cal já não se aguenta nas paredes dos edifícios. Hoje usa-se tinta, que é bem mais resistente. Parece que em Roma ninguém pensa nisso. Por onde andará o Espírito Santo? Deve ter fugido para longe!...
Um outro ponto em concreto é a ordem de Ratzinger: “Todos pr’ó confessionário!” A muitos, deu vontade de rir, pois até se julgava que tinha sido abolido, tal a “assiduidade” que se vem notando de algum tempo a esta parte…Móveis vazios, cada vez mais vazios. Lá dentro, ninguém. Fora, muito menos.
A verdade é que os tempos andaram depressa, e muita coisa ficou para trás… Recuperar agora? Não será tarde de mais?
Um confessor da nossa praça dizia, ainda não há muito tempo: “estive aqui duas horas e ninguém apareceu, estão todos santificados”! É bem possível que tenha razão. Estamos todos santificados. A consciência de cada um é que manda. Esta é a imagem que vemos por toda a parte.
Vem aí mais novas velhas coisas… No nosso ponto de vista, podem vir todas e mais algumas. Estão condenadas ao fracasso, porque são remédios fora de prazo, caducos, já não fazem efeito.
escrito na ortografia antiga
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