quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A História repete-se?...

Costumamos dizer que a história se repete. E a verdade é que muitas vezes tem sido assim. Em 1910 veio a República. Com partidos, democracia e muitas promessas. Que nunca souberam acertar nos objectivos que programaram. Que tanto fizeram e desfizeram que deram azo ao 28 de Maio.
Veio um iluminado que disse: é este o caminho e ninguém mais bufa. Assim vivemos os tempos de Salazar e Caetano, que também cansou demasiado.
Veio o 25 de Abril, com promessas, partidos e democracia. Muita coisa foi feita, muita coisa parecia ir sempre para melhor. Mas, novamente parecem repetir-se os tempos fracassados dos outros anteriores.
        Ora bem. Não sou o primeiro a fazer esta análise, talvez demasiado simplista. Mas contém muito de verdade. Os nossos escritores souberam muito bem retratar os tempos da primeira República. Muitos têm tido o cuidado de os trazer de volta, e, para espanto de tudo e de todos, o diabo é que são mesmo muito parecidos.
        Acabo de chegar das terras do continente. Durante um dia tive a companhia de muitos homens que foram companheiros há 40 anos por terras de Angola. Para além do confronto das idades já longas, e das diferenças fisiológicas que se adquirem ao longo dos anos, veio a sensação das utopias e dos fracassos. E as conversas foram longas e animadas pela tarde fora, ora misturadas com feitos e façanhas dos tempos idos, ora regadas com as boas pingas do Douro e do Alentejo.
 Os povos greco-romanos foram sempre povos de características muito especiais. Muito dados às emoções fortes, às máfias, às corrupções, aos jeitos e às cunhas para tudo resolver na vida, apesar de terem sido berço da onda evangelizadora que veio de Belém. Entraram na União sem saber bem como, ou então a União não soube acautelar as linhas mestras da boa conduta solidária.
Os povos saxónicos, mais dados ao intelecto racional e calculista, foram sempre mais consistentes no seu desenvolvimento colectivo e solidário. Os choques, pois, mais cedo ou mais tarde, iam acontecer, como sempre, aliás, aconteceram.
Muitos dinheiros chegaram a Portugal e à Grécia para criar estruturas. Elas aí estão, e o desenvolvimento estagnou, ficou com era. Não se criou riqueza para justificar os investimentos.
Muitos barcos se abateram. Vieram outros mais modernos, mas parece que a produção não aumentou. Temos hoje boas estradas, mas não temos produtos a caminho da Europa e outros países. Se antes éramos uns pobrezinhos, hoje somos uns mendigos com caminhos abertos para outros nos virem trazer á porta as coisas de que necessitamos.
 Mas, há, garantem-me, quem veja capacidade de levantar a cabeça e de sermos capazes de continuar Portugal. A história repete-se, é verdade! O que virá a seguir? Vivemos tempos muito complicados, mas de esperança. É a nossa convicção, como a de muitos, felizmente.
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domingo, 13 de novembro de 2011

Quem manda, manda....

A 6 de Junho passado, tomava para título de opinião, a expressão comum de “Mete-se pelos olhos dentro”. Era uma opinião, baseada em factos concretos que aconselhariam outra solução. Pelos vistos, não nos enganámos.
        Quase diariamente, costumava passar pelo jornal “A União”. As opiniões que lá se tombavam eram apelativas, sobretudo quando assinadas por credenciais de nome feito e respeitado. Exemplos: Bispo Marcelino, Dentinho, Monjardino e outros.
        Confesso que a partir de algum tempo a esta parte, comecei a reparar com uma coluna que, só por si, desfaz o crédito do próprio jornal, ofusca a qualidade, e me diz ser melhor passar adiante. É como se de repente, nos aparecesse pela frente uma outra pessoa, toda de aparências tresloucadas, semelhantes aos doentes mentais da Casa de saúde de São Rafael.
        Os escritos, que não entendo, não compreendo, nem sei o que pretendem, do novo director, são isso mesmo: palavras e só palavras. Sem nexo nem tino. Assim não. Mas faço uma pergunta: é a união pastoral para a nova evangelização?
        Continuo a dizer: os jornais entregam-se a leigos formados. A pastoral, em suplemento, distribui-se nas igrejas, à porta da entrada. Assim vimos em muitas igrejas e catedrais da França, Espanha e Portugal, por onde andámos nos últimos tempos. “Mete-se pelos olhos dentro”. Quem manda, manda; os resultados aí estão. Onde param os “doutores da lei” e as consciências esclarecidas da velha Angra?
        Manuel Emílio Porto

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Angola 69/71 - Quarenta anos depois

(Encontro dos homens que foram militares da Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Caçadores 2889). Caldas da Rainha, Salão Milénio, 5 de Novembro de 2011 pelas 12 horas.


Caríssimos “crocodilos”

 Outubro de 1969
 Os tempos, à data do embarque, já eram muito conturbados, ameaçadores de futuros incertos, tempos propícios a fugas para outros países, na busca de uma vida estável que a Pátria não conseguia dar. Muitas deserções aconteceram, o país conheceu uma sangria acentuada, da qual ainda hoje se ressente. A juventude é a maior força de uma nação, um princípio válido para todo e qualquer sistema político. Assim se dizia então, hoje diz-se e amanhã também se dirá.
        Mas, se por um lado o ambiente português era de frustração, de “à rasca”, como hoje se diria, também já era de esperança. Os governos pareciam indecisos. E alguns movimentos inconformados, já se faziam sentir por todo o país. A esperança já minava os corredores dos poderes e das instituições públicas e privadas.
       
Tiveram estes homens de hoje, aqui presentes, na Pátria que os viu nascer, a oportunidade de sentir e viver os movimentos da história recente. Foram protagonistas dos maus momentos, que geralmente antecedem os horizontes de luz e de esperança. São ainda protagonistas dos desejos ainda não consumados. Parece que a nossa História é assim feita – de utopias e de frustrações.
Houve um antes da primeira República. Houve um antes do 28 de Maio e por fim, houve um “antes do 25 de Abril”, que foi feito e construído na base dos que não fugiram nem viraram a cara. Todos foram desse tempo. Fomos assim protagonistas de utopias e, pelo que hoje vemos, também somos de fracassos.
Obedientes ao poder de então, sem nunca esquecer a retaguarda, coube-nos percorrer Angola. Conformados, de forma íntima, na privacidade, partilhando com os colegas da mesma sorte, foram sabendo das notícias, foram sabendo e acompanhando o desenrolar das políticas do poder instalado.
 E foram confrontando, comparando, tentando encontrar uma explicação que só veio mais tarde, quando cada um, já se sentia aliviado do pesadelo dos anos vividos em terras africanas. Terras lindas, cativantes, mas que, muito dificilmente, poderiam continuar a ser nossas.
        Os anos que por lá passaram – hoje parece evidente – foram tempo de defesa da própria vida, e tempo de alimentar a confiança no futuro. O objectivo, na alma de cada um, era o regresso.
Regressar, constituir família, procurar uma profissão, e ajudar a construir a sua verdadeira Pátria. A sua preocupação dominante foi planear e sonhar o futuro que depois mais tarde encontrou.
 Era raro o soldado que diariamente não punha uma cruzinha no dia do mês e ano, no calendário, pendurado na camarata, “bem ilustrado e de rosas colorido”, para dizer assim em tom de exclamação: “menos um dia que falta”.
 Este pormenor foi revelador do que, depressa, me apercebi, quando lá cheguei, alguns dias mais tarde. O regresso era a obsessão do dia a dia.
Um companheiro das horas mortas, sempre levado a tiracolo – confesso que tive um deles – foi o gravador e leitor de cassetes com músicas de Zeca Afonso, Adriano e outros. Muita música de vanguarda se consumiu naquelas terras. Foi o bálsamo que suavizava, dava ânimo e coragem para o dia seguinte. Depois de cada audição, a alma ficava mais cheia, mais corajosa e carregada de esperança.

“Pergunto ao vento que passa
Por notícias do meu país”.

“Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém que diz não”.

                “Já lá vai Pedro Soldado
                Num barco da nossa armada”.


“O soldadinho não volta
Do outro lado do mar”.

Para descontrair, que também foi importante, lá ia uma cantiga popular:
       
        “Eu fui ao Pico piquei-me
        Piquei-me lá num silvado;
        Nunca mais eu vou ao Pico
        Sem o Pico ser mondado”.

Estas cantigas penetravam até aos ossos. Matavam a saudade e davam ânimo. E muitas do gravador passaram para alguns, que as cantávamos também.
Acompanhadas pela carolice do António Baptista Martins, no acordeão e do Manuel Pinheiro de Oliveira, no violão, e de mais uns quantos, cujos nomes agora não recordo. Era o conjunto “Os Crocodilos do Quango”. Que até teve direito a um hino, o hino do conjunto. Não recordo o autor da letra, mas revelava a fé que acompanhava a juventude de então:
Sozinhos e desesperados
Mas sempre fiéis soldados
Não viram costas ao perigo;
Fazem frente ao inimigo
Nas horas tristes da vida
É Deus quem lhes dá guarida.

Esteja sol ou chuva
Nunca faltam ao dever;
Há momentos de amargura
Por causa da vida dura,
Nas horas tristes que há
É Deus quem os salvará.

Na mata o esforço é forte
Quantas vezes frente à morte
Nunca há uma certeza
É uma vida de tristeza
Nas horas tristes então ´
É Deus que lhes dá a mão.

Coro:
São crocodilos,
São do Quango
São de Portugal também;
É o Batalhão
Que é sempre então
O MAIS ALTO E MAIS ALÉM.

               
        Assim se consolidou um objectivo comum – o regresso. O regresso que agora justifica este encontro comemorativo de profunda emoção humana. Não de saudade, mas de emoção sadia, que brota da mesma vivência e da mesma entreajuda. As dificuldades – quando sinceras e verdadeiramente sentidas – não esquecem.
        Caberia aqui recordar uma ou outra história. Mas ficam para as conversas durante a tarde. Todos terão algo a dizer ou a recordar um ao outro.
Da minha parte trago comigo duas recordações. Uma nada agradável, a outra ficou-se pela curiosidade. Começo pela primeira: Foi um regresso de Massau para Negage, via Destacamento do Cuango e Foz do Massanza, em avião Dornier que fazia o reabastecimento de víveres e correio. O piloto, Alferes Boavista, lembrou-se de atirar tiros para o rio e dar voltas sobre si mesmo. Amarrado a qualquer coisa no lugar das batatas e das cebolas, dando voltas em parafuso, já não via nada de nada. Tudo me parecia escuro. Quando aterrei no Destacamento do Quango, logo caí quase inconsciente. Soube depois, dizia o piloto aviador, que os tiros foram para turras que estavam no rio. Nunca ninguém soube dessa certeza.
Um outro episódio foi, quando, numa passagem pela C.Caç. 2605, também em Massau, o Capitão me ter convidado para um passeio ao lado de lá da fronteira. Aceitei e fomos em barco pneumático. Fomos direitos a uma pequena povoação. Tivemos pouco tempo, falavam francês, e olhavam-nos de riso amarelo; mas deu para ver uma mulher a fritar minhocas, muito parecidas com as minhocas das couves. Disserem-me que eram para comer. Arrepiei-me com aquela explicação, tive receio daqueles olhares estranhos e disse ao Capitão: vamos já para Massau. Voltamos em paz e não vimos crocodilos.
        E, voltando de novo, à solidariedade vivida durante dois anos, aqui encontramos a razão de ser destas comemorações. Que ninguém se escandalize por isso. Só os que passaram por África, na guerra é que sabem. Mais ninguém.

Novembro de 2011

Resta-me elogiar quem liderou este encontro. Quem pesquisou, quem procurou saber o paradeiro de quantos hoje aqui vieram. Dizem-me que no centro das diligências feitas estão o António Mendes e o Manuel Oliveira. Parabéns a eles. Do primeiro recordo, quando, conduzindo o Unimog, eu ia ao lado, à frente. Do segundo, quando pegava na viola, e dávamos largas às cantigas.
Finalmente, uma saudade para os que tombaram, e uma palavra solidária, para quantos, deste Batalhão e de todos os Batalhões, regressaram estropiados, e ainda hoje sofrem os efeitos da guerra.
        Não vale hoje, aqui, avaliar o que aconteceu a cada um dos vivos, durante estes 40 anos passados. Pena, naturalmente, para os que já faleceram. Coragem e força, para os doentes. Coragem e força para cuidar da saúde. Parabéns pelos sucessos que também os houve.
        Os tempos de Angola já estão lá muito longe. É importante recordar enquanto houver um sobrevivente. Não deixamos esta herança a ninguém. É nossa e vai connosco. Por isso, esperamos que ela se repita por muitos anos ainda.
 No livrinho “Angola 69/71”, que cada um trouxe consigo, o último texto foi escrito pelo capelão de então. Cito o derradeiro parágrafo: “O teu novo campo de batalha é bem mais difícil do que este que agora termina. Não cruzes os braços. Atira-te com valentia e vencerás. Portugal confia em ti e Deus nunca te desampara”.
Convém dizer que o Capelão de então era eu. Se hoje não posso sê-lo, por novo estatuto definido, sou-o pela natureza da mesma fé. Somos todos cidadãos de uma Pátria, que foi cristianizada pelos nossos antepassados. Independentemente das opções confessionais de cada um, a solidariedade é universal.
Por isso peço um minuto de silêncio e uma oração pela memória dos que por lá ficaram e pelos que já faleceram. (Pausa)
 Os votos que então expressei no livrinho citado foram votos sinceros. Felicidades para todos. Foi um prazer este reencontro. Até qualquer dia.
Manuel Emílio Porto
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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A INDIGNAÇÃO

No dia 15 de Outubro, a indignação alastrou por todo o mundo. Começou, em Maio, por Espanha e já percorreu o mundo todo. Até na América do Norte.
        No nosso País, a indignação já vem sendo manifestada de algum tempo a esta parte. Hoje, ninguém sabe até onde vai chegar. É a grande preocupação do tempo presente.
        Fomos para a Europa. Uma grande união de países. Um mundo de desenvolvimento. Com os mesmos direitos e os mesmos deveres.
        Mas, nem sempre a união planeada resulta em união efectiva. Os percursos são, por vezes, interrompidos por interesses emergentes, alguns deles escondidos à espera da ocasião propícia. E esses interesses surgiram. Camuflados alguns de velhos nacionalismos. E, num ápice, a União treme. E não há quem diga, basta!
        Hoje, o mais surpreendente é vermos as nações a serem governadas por terceiros. A mesma moeda é cobiça muito forte para grandes negócios. São os mercados do dinheiro. Vai-se ao mercado comprar dinheiro. Não compreendo este processo lá muito bem. É algo que me ultrapassa.
 Ora, a mesma moeda entre as nações associadas, deve ser gerida somente por essas mesmas nações, através dos seus próprios Bancos, e nunca ser gerida por mercados, que são, no caso presente, autênticos tumores malignos. Os mercados de dinheiro devem ser totalmente proibidos.
        A União Europeia vive contaminada. E está a ser tratada com uma “quimioterapia” que pode levá-la ao colapso total. E só há uma solução – extrair já o tumor maligno. Fora com esses mercados.
        Uma União exige plena concordância. Como um moinho nas suas engrenagens interiores. As rodas dentadas têm de estar de acordo com outras rodas, também dentadas. E todas devem funcionar, como dizia o velho carpinteiro, ao doce. Se um dente falhar, tudo se parte.
        O mesmo tem de ser feito na União Europeia. Ou a máquina funciona com todos a fazerem o mesmo, do mesmo modo e com os mesmos critérios, ou então tudo se quebra em mil pedaços. E a indignação pode transformar-se num pesadelo muito grave.
        Sempre ouvimos dizer que a História se repete. Tivemos um antes de 1910, tivemos um antes do 28 de Maio e tivemos um antes do 25 de Abril. Teremos de novo à beira de um antes qualquer coisa?
        É mesmo para dar em indignação. O que nos vale e nos amansa um pouco, é que a crise não é só nossa. É de todo o mundo. O que nos leva a pensar que os políticos responsáveis não são apenas os nossos. Fazendo parte do mundo globalizado, fomos todos arrastados, inevitavelmente.
        Os nacionalismos encobrem tendências perigosas. É bom saber isso. E também é bom saber que a indignação pode levar à violência. Tudo, menos isso. E oxalá que tudo termine em bem. É que já ouvi falar em novas guerras na Europa…
        Estarei de volta lá p’lo São Martinho.
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

UM ANO DA FÉ

Logo após o ano sacerdotal – para muitos de má memória, uma dor de cabeça para as cúpulas sacras, para outros nem tanto, para o grande público nenhuma novidade – chega agora um ano da Fé.
        Muitos tiraram conclusões e todos esperavam indicações ou processos mais eficazes. Muitos continuam à espera da estaca zero que não apareceu. Mas, se assim se deseja, assim se faça, mesmo continuando com a tradicional suspeição, incómoda e persistente. O remédio mais eficaz para a cura ficará para depois. Assim sendo, vamos, agora, ao Ano da Fé, à “Porta Fidei”.
        O Papa pode decretar os anos, semanas, meses e dias que entender, sobre os mais diversos motivos religiosos. Tem poder para isso. Está nas suas funções de ligar e desligar.
        Sabemos todos que não há conflitos – já os houve na história – entre a razão e a fé, entre a ciência e a fé. A fé está para além da razão, do intelecto, do próprio ser. A fé é um dom.
 O que se aceita, ou o que é importante ter em conta, são os motivos exteriores que podem levar ao despertar do acto de fé. O Papa pode e deve apresentar esses sinais exteriores, despertadores de fé ou de crença. Todavia, a sua aceitação é sempre livre. Brota de dentro como um dom.
Aqui não cabe lembrar o passado histórico em que a fé era imposta sob ameaça das mais horríveis torturas e até da morte. Esses tempos não voltam mais, mas por vezes, quando pensamos em Trento e nas formas da apresentação das doutrinas ou simples normas, e mesmo nas soluções encontradas para a formação específica dos cristãos, vem sempre a linguagem da ameaça: quem não acreditar será excomungado, quem não seguir este caminho será afastado. A espada do Santo Ofício está sempre pronta para o golpe final.
 Esta linguagem ainda não foi abolida. E estes processos nada podem contra a fé. São inimigos da fé. A fé é um acto interior, convive com toda a liberdade interior do ser humano. Nada pode impedir ou condicionar o acto de fé. A fé é incompatível com processos desta natureza. Não pode viver sob a ameaça. Deus não ameaça ninguém.
                               ***
Sem pôr em causa a ideia do Ano da Fé, talvez, de melhor alcance ou eficácia, tivesse sido preferível seguir a ideia proposta pelo movimento “Nós Somos Igreja” – uma década de Povo de Deus.
Seria uma forma de chamar os leigos para dentro, para a participação, tendo em conta melhor formação, mais efectivo compromisso, mais renovação. Uma forma de celebrar e trazer de volta as luzes do Vaticano II, agora quase nos seus 50 anos. Apelar a uma Igreja colectiva, e não apenas de uns poucos. Na distribuição de encargos, como seja a escolha dos Bispos, e outras escolhas. Nos últimos anos foram mais as más escolhas do que as boas. Temos exemplos, flagrantes em débito de competências de muita e variada ordem.
E a fé? A fé é o resultado de tudo o que se faz, se pratica ou se aprende. Os sinais sempre presentes acabam por levar ao acto de fé. É assim que ela se desenvolve e cresce.
“É urgente considerar mais o carisma do que o género. O Papa é livre de introduzir normas para mulheres e homens, casados ou não, que são chamados pelo Evangelho”. “Manter a tradição viva e enfrentar as necessidades contemporâneas não é contraditório”.
 “O magistério tem de aceitar os direitos humanos e as regras da democracia dentro da Igreja. Igualdade de direitos para homens e mulheres é indispensável”. Continuando tudo como sempre tem sido, a fé continuará a debilitar-se e a desvanecer-se. Disso ninguém tenha dúvidas.
Uma década de “Povo de Deus” será mais eficaz para os objectivos do Ano da Fé que agora começa. Não seria apenas um ano, seriam dez anos.
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domingo, 16 de outubro de 2011

FILARMÓNICA LIBERDADE LAJENSE

Acabam de ser inaugurados os novos melhoramentos da Filarmónica Liberdade Lajense.
        Apesar de ter sido convidado para a mesma inauguração, faltou pouco para não estar presente. E tudo pela simples razão da memória não ter funcionado.
        Quando me perguntaram, nas redondezas da Escola das Lajes, se não estava na Filarmónica, nada respondi, estupefacto. De imediato recordei o convite, e também de imediato – já estava na hora – fui até à Filarmónica.
        Pois, sim senhores, ouvi as palavras simpáticas do actual Presidente - o jovem músico António Francisco bem como as palavras do senhor vereador Mário Tomé, em nome do senhor Presidente da Câmara, ausente por motivos de força maior.
        Percorri as instalações agora inauguradas e fiquei com a melhor das impressões. A Filarmónica das Lajes possui, nesta data, ambiente condigno, para as actividades musicais, culturais e recreativas que venham a ser programadas para as Lajes do Pico, bem como para os convívios anuais das festas mais representativas, como sejam as festas do Espírito Santo, do Natal, do Carnaval, e outras.
        À semelhança de outras sociedades filarmónicas da Ilha, a FLL tem condições para responder às mais variadas iniciativas culturais que venham a desenhar-se para aqueles espaços agora inaugurados.
        Parabéns aos lajenses, à direcção, aos músicos e ao industrial que se encarregou das obras.
        Convém não esquecer – é sempre bom recordar – o apoio sempre imprescindível de toda a comunidade lajense. Uma Filarmónica vive dos músicos. Mas os músicos não vivem sem terem o apoio de quantos fazem parte da comunidade. Um músico isolado é uma voz no deserto.
        A sociedade é de toda a comunidade. E é, nesta data festiva, a preocupação principal a ter em conta.
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                ascrito na ortografia antiga

sábado, 15 de outubro de 2011

A ESCOLA DAS LAJES DO PICO

Já deixámos a Escola. Ainda não há muitos anos. Quando a deixámos, em jeito de brincadeira, costumava dizer assim: “Já não posso aturar rapazes”. “Já não tenho idade para isto”. Porque andei quase sempre envolvido na Educação Musical, também costumava dizer: “Já cantei de mais”. Agora preciso de silêncio e passar o tempo a ouvir o pouco que ainda consigo ouvir.
        Deixámos, é verdade. Mas, ainda há qualquer coisa que trago registado. Comigo levo alguma amargura. Não por falta de apoios escolares. Sempre os tivemos, e sempre soubemos ultrapassar as lacunas.
Mas porque nunca usufruímos de um bem físico que as outras escolas sempre tiveram desde o seu começo. Refiro-me, naturalmente, a um auditório, um espaço adequado e preparado para eventos culturais e pedagógicos para uma boa parte das disciplinas escolares, mormente línguas e música, além das reuniões escolares.
        E as causas nasceram logo no início, com a construção da própria escola. Divergências internas, afeições desmedidas, por vezes fanáticas, impediram melhor localização da Escola.
        Hoje, a Escola continua sem Auditório, sem pátios, sem Ginásio, sem campo de jogos e outros espaços interiores.
        Continua a Vila das Lajes sem uma Escola devidamente localizada e apetrechada. Convém, agora que se fala em adiamentos que não estavam previstos, pensar de uma vez por todas, que uma escola se faz por causa dos alunos e não por uma outra qualquer razão.
        E porque se faz de raiz, que se faça em espaços amplos, capazes de darem resposta às valências da Escola. Que o adiamento agora surgido, seja apenas um adiamento, e nada mais.
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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

COMENTÁRIO...

O nosso D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa, também faz, como lhe compete, os seus comentários, merecedores, como também é óbvio, de outros comentários. O senhor cardeal fez o seguinte comentário:
Nenhum político deixa a política de mãos limpas”. Este comentário revela que todos os políticos são maus políticos. Ora, não será bem assim. O senhor Cardeal sabe, melhor do que ninguém, que o político se ocupa das coisas do bem público. Se algum político não faz como devia, é outra questão. Há políticos que saem de mãos limpas.
O mesmo se poderia dizer dos padres que ele fez e nomeou: “Todos eles tem as mão limpas nos compromissos que assumiram? Quantos também andam de mãos sujas?
Responder desta forma não é anti-clericalismo. É a verdade que a tradição demonstra. E cada vez mais o vem demonstrando.
Há bons e maus políticos e há bons e maus padres.
Para ambos há éticas comuns e específicas. Os fracassos e as virtudes são comuns aos dois.
O senhor Cardeal Patriarca sabe muito bem, e melhor do que ninguém, que estas coisas são assim.
Deve ser da velhice…

terça-feira, 11 de outubro de 2011

FOI A 11 DE OUTUBRO DE 1962

Estamos a celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II. Um Concílio que apontou reformas que vingaram e que foram recebidas, de braços abertos, por responsáveis – e foram muitos – e pelos povos que as acolheram e fizeram delas práticas dos caminhos de Deus.
 Nesta ilha e em muitas outras, os responsáveis da diocese – o penúltimo, felizmente, ainda vivo – reorganizaram e puseram em marcha reformas da piedade popular. Seguiram a orientação conciliar. Fizeram trabalhos, aprovados e louvados por muitos outros responsáveis do país inteiro, que passaram por esta e outras ilhas. Com plena aceitação dos devotos e crentes.
Passados que são cinquenta anos, chegou a altura de consolidar e fazer crescer. De consolidar, indo ao encontro dos povos, que sempre tiveram disponíveis para ajudar, com verdade e transparência.
 Será a melhor forma de celebrar este aniversário conciliar. Com ajustamentos que são sempre possíveis, mas sem acusações a ninguém, muito menos acusações toscas, que, geralmente, são de nula eficácia. Em vez de ajuntar, afastam.
 O uso do vernáculo foi a maior conquista. Todos entendem a língua mãe. Isso arrastou consigo maior exigência – transparência nas linguagens e nos sinais. As imagens e as metáforas ficaram mais acessíveis aos espíritos menos preparados. Foi o caminho aberto para uma consciência formada, na busca de práticas transparentes e não aparentes.
As metáforas dificilmente se justificam quando agressivas e selvagens. A não ser que as intenções sejam mesmo, como está acontecendo em muitos sectores, destruir o que de bom trouxe aquele Concílio Ecuménico. Uma forma de o fazer é acusar os que trabalharam para o pôr em prática. Não creio que por aqui já se tenha chegado a esse ponto. Mas, quando se recorre à metáfora do abutre para denegrir tudo e todos, algo de preocupante anda por perto.
O quadro alegórico do sábado de Lurdes, com a figura de D. José Alvernaz, veio recordar as esperanças do tempo conciliar. Talvez a melhor imagem alguma vez trazida ao cortejo etnográfico da festa. Por isso, aqui o invoco, como pretexto para dar uma palavra de esperança, e repudiar a agressividade de quem não sabe ou não entende.
A alegoria do Professor Hélder Fernandes não poderia ter sido mais oportuna e feliz. Oportuna pelo cinquentenário que se celebra, pela colaboração que este “homem do Pico” (juntamente com D. José da Costa Nunes, para só me referir à ilha do Pico), deu àquele grande evento, e consequentemente a lembrança do ar fresco que entrou nos espíritos em todo o mundo cristão.
Foram muitos os que desde o princípio tudo fizeram por ir ao encontro das reformas, de as pôr em prática, de aperfeiçoar, melhorar as maneiras de ver e compreender os caminhos da fé. Caminhos de luz e claridade. Sobretudo da possibilidade de mais participação. Eles não andaram enganados. Antes, pelo contrário.
 Talvez fosse melhor empreender o que de muito ainda há por fazer. Parabéns ao Professor Hélder Fernandes pela alegoria que nos trouxe nos últimos dias de festa.
Nunca perturbámos nem perturbaremos a dinâmica do crescimento. Somente avaliaremos as afirmações toscas e desajustadas que por vezes temos a infelicidade de ler.
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domingo, 9 de outubro de 2011

Auditório para o Museu dos Baleeiros

Na visita estatutária que o Governo Regional fez à Ilha, nos primeiros dias de Outubro, o presidente do Governo anunciou a construção de um Auditório, integrado nas actuais instalações, em terrenos contíguos, adquiridos para esse efeito.
        Assim aconteceu na pequena sala do Museu, no dia 4. A comitiva governamental e alguns convidados seguiram atentamente a apresentação do projecto pelo seu autor, arquitecto Rui Pinto.
O novo Auditório tem capacidade para cerca de 98 lugares sentados. Tem um aspecto acolhedor, de sabor marinheiro, bastante ajustado à história daquela instituição cultural, e com as condições necessárias para espectáculos musicais, incluindo gravações.
        Fica assim satisfeita a lacuna existente – de um espaço mais alargado, para dar resposta aos eventos culturais que o Museu promove ao longo do ano.
        Na verdade, o pequeno salão do Museu tem sido escolhido para numerosos eventos culturais. Por lá tem passado os mais variados, desde o lançamento de livros, palestras, exposições permanentes e temporárias. É ocasião para relevar o seu grande contributo ao meio lajense e de toda a ilha.
        Todavia, notoriamente se sentia a exiguidade do pequeno salão. Por isso, a construção do Auditório que agora se anuncia, vem melhorar e valorizar bastante os espaços do Museu. Uma nova obra que o seu director, dedicado e competente, acompanhará, com o zelo e o carinho que sempre tem dedicado àquela entidade museológica.
Alguns dirão: a Vila das Lajes tem espaços condignos para a cultura. É verdade, tem. Todavia, é o Museu que melhor vocação apresenta para alguma actividade cultural mais específica. Dentro daquela casa tudo fala da alma e da vida do passado, com projecção no presente e no futuro. Tudo é apelativo. São as nossas raízes. É o nosso centro cultural, por excelência.
 Mais uma razão para agora ser dotado de mais um espaço. Assim, a pouco e pouco, se constrói, se melhora e se acarinha o que é nosso.
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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Filarmónica de Berlim põe música na Teologia de Hans Kung

Uma obra para coro e orquestra.

“A Filarmónica de Berlim põe música na teologia do sacerdote católico e professor universitário Hans Kung, sancionado pelo Vaticano.
Segundo informou a Fundação Ética Mundial, presidida pelo teólogo suíço de 83 anos, na obra para coro e orquestra de uma hora e meia de duração, o compositor brtitânico Jonathan Harvey deu à partitura os pensamentos de Kung sobre as religiões mundiais. O mesmo Kung é o autor do libreto.
A obra consta de 6 capítulos, cada um correspondente a um princípio da Declaração de Ética Mundial de 1993, da qual Kung foi redactor. Nesta Declaração ressalvam-se os valores comuns das grandes religiões que poderiam servir de base para um mundo mais justo e sem violência.
Kung não deu detalhes sobre a música, mas assegurou que a composição contempla nos seus 6 capítulos as tradições musicais do budismo, hinduísmo religiões chinesas, judaísmo, islão e cristianismo.
A estreia acontecerá a 13 de Outubro sob a batuta de Simon Rattle e nela participarão também o coro da Rádio-Televisão de Berlim, assim como um coro juvenil.
Kung foi perito do Concílio Vaticano II e colega em tempos universitários de teólogos de renome mundial da sua época como Karl Rahner, Yves Congar, Henri de Lubac, Hans Urs von Balthasar e Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI.
Em 1979 o Vaticano retirou-lhe a faculdade de ensinar por causa do seu livro “Infalível”, onde critica o dogma da infalibilidade papal.
No entanto Kung continuou a ensinar Teologia Ecuménica na universidade alemã de Tubingen”. (in Religion Digital – 3.10.2011).
Comentário – É uma notícia positiva. Vem realçar o pensamento humano sobre ética religiosa, contributo importante para uma formação mais ampla e consistente da fé dos homens de hoje.
Fica-nos a curiosidade de ouvir, um dia, essa obra musical.

domingo, 2 de outubro de 2011

Vale a pena ler

O texto seguinte é de um pensador e teólogo brasileiro, chamado Leonardo Boff. Cada leitor tirará a sua conclusão.
“Actualmente há muita decepção com a Igreja Católica institucional. Está a dar-se uma dupla emigração: uma exterior, pessoas que abandonam simplesmente a Igreja, e outra interior, as que permanecem nela mas não a sentem já como um lugar espiritual. Continuam a acreditar apesar da Igreja.
Não é para menos. O Papa actual tem tomado algumas medidas radicais que tem dividido o corpo eclesial. Assumiu um caminho de confrontação com importantes episcopados, o alemão, e o francês, ao introduzir a missa em latim; articulou uma reconciliação rebuscada com a Igreja dos seguidores de Lebfebre; viciou as principais intuições renovadoras do Concílio Vaticano II, especialmente o ecumenismo, negando absurdamente o título de “Igrejas” às igrejas que não sejam a Católica e a Ortodoxa; como cardeal, foi gravemente permissivo com os pedófilos; a sua relação com a sida roça os limites do inumano.
A Igreja actual mergulhou num inverno rigoroso. A base social de apoio ao modelo antiquado do actual papa é formada por grupos conservadores, mais interessados nas realizações mediáticas, na lógica do mercado, que em propor uma mensagem adequada aos graves problemas actuais. Oferecem um “cristianismo-lexotan” apto para acalmar consciências angustiadas, mas alienado perante a humanidade sofredora.
É urgente animar estes cristãos em vias de emigração com o essencial no cristianismo. Não é seguramente o da Igreja, que não foi objecto da pregação de Jesus. Ele anunciou um sonho, o reino de Deus, em contraposição ao reino de César; Reino de Deus que representa uma revolução absoluta das relações, desde as individuais até às divinas e cósmicas.
                        (…)
O movimento de Jesus é certamente a força mais vigorosa do cristianismo, mais do que as Igrejas, por não estar enquadrado em instituições nem aprisionado em doutrinas e dogmas. É composto por todo o tipo de gente, das mais variadas culturas e tradições, até por agnósticos e ateus que se deixam tocar pela figura valente de Jesus, pelo sonho que anunciou, um reino de amor e liberdade, por uma ética de amor incondicional, especialmente aos pobres e aos oprimidos, e pela forma como assumiu o drama humano, no meio de humilhações, torturas, e execução na cruz. Apresentou uma imagem de Deus tão íntima e amiga da vida que é difícil prescindir dela até por quem não acredita em Deus. Muita gente diz: “se existe Deus, tem de ser como o Deus de Jesus”.
Este cristianismo como caminho espiritual é o que realmente conta. Um movimento que passou rapidamente a ser uma instituição religiosa. No seu seio elaboram-se as distintas interpretações da figura de Jesus que se transformaram em doutrinas e foram recolhidas pelos evangelhos oficiais. As igrejas, ao assumirem carácter institucional, estabeleceram critérios de pertença e de exclusão, doutrinas com referência identitária e ritos de celebração próprios. O óptimo é que caminhem juntos. O decisivo é, em todo o caso, o caminho espiritual. Este tem futuro e anima o sentido da vida.
O problema da Igreja romano católica é a sua pretensão de ser a única verdadeira. O correcto é que todas se reconheçam mutuamente, pois todas elas revelam dimensões diferentes e complementares da mensagem do nazareno. O importante é que o cristianismo mantenha o seu carácter de caminho espiritual. Ele pode sustentar tantos cristãos e cristãs perante a mediocridade e irrelevância em que caiu a Igreja actual”. L. Boff