sábado, 30 de julho de 2011

Estratos de uma carta corajosa

Estimado irmão e Bispo  N.
Não esperava que você, bispo da Diocese de N. embora nomeado contra a vontade e o sentir maioritário dos sacerdotes e de muitos fieis da Comunidade Diocesana, fosse capaz de enfrentar o seu Conselho Presbiteral com uma prepotência e menosprezo sem precedentes, os ofendesse com a análise e valor que fez do processo seguido até hoje na igreja diocesana e o comportamento e papel que nela desempenharam os seus sacerdotes. O modo de pronunciar-se foi inaudito.
        Desejo recordar-lhe que um grupo de sacerdotes da cidade de N. escreveu a propósito da sua nomeação: “A eleição dos bispos, segundo a tradição da Igreja, era feita com a presença e participação de presbíteros, os bispos mais próximos e, sobretudo, do povo cristão, já que era este quem mais e melhor poderia conhecer a conduta do candidato e assim poder aceitá-lo ou repudiá-lo. Este protagonismo do Povo de Deus era considerado de tal importância que se chegava a dizer: “eleger sem povo, é eleger sem contar com Deus”. “Ninguém seja dado como bispo a quem não o quer. Procure-se o desejo e o consentimento do clero, do povo e dos homens públicos”. “Não se imponha ao povo um bispo não desejado”. (São Cipriano, bispo de Cartago).
        É do domínio público como nesse Conselho Presbiteral, você desqualificou, sem nenhum fundamento a conduta teológico pastoral dos seus sacerdotes e comunicou ter decidido transladar os seminaristas para o Seminário de N. sem contar para nada com eles.
        (…) Isto fere a sensibilidade actual com as exigências de diálogo, participação, discernimento na comunidade, respeito dos direitos de todos e mostra ausência das atitudes básicas de todo o cristão: corresponsabilidade, humildade, serviço.
        Você acredita que foi investido de autoridade para proceder assim, mas à luz do Evangelho e da tradição cristã, nós vemos que está em contradição e em desacordo com os princípios e o espírito do Vaticano II.
        (…) Eu espero que os seus propósitos, por muito que neles acredite, não prevaleçam, para o bem de todos e por fidelidade ao mesmo Evangelho. Acreditará que a sua visão é a verdadeira; nós acreditamos que você defende uma interpretação subjectiva, pessoal, com falta de verificação comunitária.
        Não estranhará este meu manifesto, pois não posso entender que a maioria dos seus sacerdotes, com entrega, competência e zelo, que você parece desconhecer, em vez de estimular e apoiar o seu labor pastoral, os desautorize desta maneira perante a igreja inteira. Em muitas ocasiões tive a prova da qualidade e magnífico trabalho destes sacerdotes. (…)
        (…) Peço desculpas pelo meu atrevimento, mas com a idade a que cheguei e com a experiência acumulada, faz-me compreender muito mais os meus irmãos, desculpá-los setenta vezes sete e compreender que não está no juízo nem na condenação o amoroso desígnio do Pai, mas na entrega, na compreensão, na aproximação aos meus irmãos.
        Senhor Bispo, os caminhos que levam ao Pai são infinitos, mas o que nos foi legado é o de Jesus, Filho do Pai, que veio ao mundo para humanizar o homem caído. O Pai foi primeiro para Ele: pô-lo em pé, fazendo-se um de tantos, para estar mais próximo e compartilhar com outros a sua filiação divina e assim tornar-nos participantes do seu amor e ternura.
        (…) Rogo-lhe perdão pela minha ousadia. Não o faço pela minha santidade que não a tenho, mas pelo amor do Pai que desde menina me fez experimentar o seu amor profundo. Ensinaram-me sempre que Deus é Amor; Amor que sai ao meu encontro, me ama, e se entrega por mim. Este é o meu Deus, nele confio e não temerei, porque é a minha força e a minha luz é o Senhor.
        (…) Falei com sinceridade, motivada pela dor e pela indignação de tantos que vem sofrendo nesta porção formosa da nossa igreja. Asseguro-lhe que o faço por amor à igreja, e a si em concreto, de um modo especial pela responsabilidade que tem, pois também é filho e vítima das suas circunstâncias.
                        Com respeito e amor
                (Segue a assinatura de uma senhora de 85 anos))

A explicação que deixo: Tive o cuidado de ocultar os nomes e os lugares, que são europeus. É importante a coragem da autora desta carta – uma senhora de 85 anos. Mais importantes ainda são os conteúdos doutrinais e históricos, sobretudo os que se referem à maneira como eram escolhidos os Bispos. Por isso não resisti em colocá-los aqui.