segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Agora que as festas se foram....

O mês de Agosto foi intenso em manifestações culturais – religiosas e seculares. Muitas andaram juntas, outras separadas.
É bom cultivar a unidade cultural, pois é uma matriz nossa que já vem de longa data. Mas não vem nenhum mal ao mundo se os costumes se alterarem. Por uma razão ou outra sempre se deram transformações ao longo dos tempos.
        Estamos quase a celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II. Um Concílio que apontou reformas que vingaram e que foram recebidas, de braços abertos, por responsáveis – e foram muitos – e pelos povos que as acolheram e fizeram delas práticas do caminho de Deus.
 Nesta ilha e em muitas outras, os responsáveis, o último de então, felizmente, ainda vivo, reorganizaram e puseram em marcha reformas da piedade popular. Seguiram a orientação conciliar. Fizeram trabalhos, aprovados e louvados por muitos bispos que passaram por esta e outras ilhas. Com plena aceitação dos devotos e crentes.
É tempo de consolidar e não destroçar. É tempo de consolidar indo ao encontro dos povos, que sempre tiveram disponíveis para ajudar a crescer. Será a melhor forma de celebrar os cinquenta anos do Concílio Vaticano II.
 O elemento humano, sempre presente e sempre determinante, é importante, na sua total abrangência. Lembrando corpo e alma, não pode relegar para segundo plano a fé e a transparência, e tornar-se semelhante à máquina. Nem a palavra é a da máquina, nem a música é a da máquina. Ambos são do coração. Tem de brotar de dentro. Da partilha de todos e não de um só. E o Concílio apontou para essa meta.
 O uso do vernáculo foi a maior conquista. Todos o entendem. Isso arrastou consigo maior exigência – transparência nos hábitos e nos costumes, nas linguagens e nos sinais.
E ficaria por aqui, não fosse o quadro alegórico do sábado de Lurdes, qual clarão luminoso vindo das entranhas do tempo, e que apresento aqui, como a melhor resposta para o que atrás deixo escrito.
 Com efeito, e logo no início, apareceu um dos quadros mais belos de quantos tem vindo às Lajes por estas festas, e este ano, verdade se diga, que foram todos bons.
 A figura de D. José Alvernaz, rodeada pelos seus mais directos colaboradores de Goa, Damão, Diu e Cochim, veio recordar-me a sua chegada a Roma, vindo do Oriente, sozinho, com a sua mala e sem ninguém à espera, como conta a sua biógrafa Maria Guiomar, para participar no grande evento convocado por João XXIII.
A alegoria do Professor Hélder Fernandes não poderia ter sido mais oportuna e feliz. Oportuna pelo cinquentenário que se aproxima, e consequentemente pelos benefícios que trouxe. E feliz porque revela o carinho, bem vivo, à figura de D. José, das gentes da sua terra natal. Parabéns ao Professor Hélder Fernandes.
Foram muitos os que desde o princípio tudo fizeram por aperfeiçoar, melhorar as nossas maneiras de rezar e de melhor compreender os caminhos da fé. Aquele quadro alegórico veio recordar-me João XXIII e Paulo VI. Veio dar a resposta certa, no momento certo, por tudo aquilo que se fez nesta e noutras ilhas.
Hoje os tempos são outros. Já passaram quase cinquenta anos. Muito longe ainda das metas apontadas. Vivemos o período da história em que se procuram novos caminhos, às vezes pouco incongruentes e incoerentes.  Talvez, por isso, há quem recorra ao argumento fácil e à metáfora selvagem do abutre para explicar o que não consegue, ou não sabe explicar.
Mais uma vez, parabéns ao Professor Hélder Fernandes pela alegoria que nos trouxe nos últimos dias de festa. Talvez a melhor catequese daqueles dias festivos.
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

UNIÃO MUSICAL DA PIEDADE

A Filarmónica que primeiro vi e ouvi na minha vida foi a “música da Piedade”, dirigida, suponho eu, pelo senhor Manuel Racha e depois pelo saudoso Padre Francisco Soares. Foi na festa de São Pedro, na Baixa, num palco improvisado, feito de estacas e restos de tábuas de pinho, num curral de vinha, onde hoje se situa o Salão “Ninho de Águia”.
        Tinha acabado de nascer a Filarmónica. Tinha poucos anos. Dava os primeiros passos. Já lá vão uns anos acrescentados. Por volta de 1946/47?
        Agora, percorridos estes anos todos, chegou o dia da mesma Sociedade Filarmónica inaugurar a sua sede social, lugar condigno, correspondente à qualidade que hoje manifesta nas suas actuações.
        Começo por este pormenor, por me parecer o mais adequado num acontecimento desta natureza. Qualquer trabalho merece sempre ser recompensado. Aqui aplica-se o princípio.
A Filarmónica da Piedade tem demonstrado qualidade nos seus trabalhos musicais. Isso deve-se ao empenho dos seus músicos que procuram aperfeiçoar-se. Muitos jovens, vejo-os lá bem encaixados, atentos e compenetrados do seu específico trabalho.
 Esta inauguração vem premiar o trabalho feito e proporcionar melhores condições para se procurar o aperfeiçoamento que hoje todos apreciam. Porque, é bom recordar, todos hoje procuram isso mesmo – melhor qualidade. E a cultura é uma vertente muito sensível, que se revela, sobretudo, pela qualidade que apresenta.
        Destaco nesta inauguração a presença da Orquestra Sinfónica Juvenil de Lisboa. Pelo apelo que fez aos jovens para a boa música, a música erudita, a música de qualidade. E sobretudo pelos novos horizontes que podem motivar os jovens na carreira musical. Seria imperdoável não aproveitar este agrupamento para “apadrinhar” a festa da nova sede social.
        Todavia, o que se diz do músico, também se diz do público. Os grupos musicais existem para serem ouvidos atentamente. Cabe neste apontamento uma palavra de amor para os que se dedicam á música – querem ser ouvidos com atenção.
Do público também se exige qualidade. O músico faz uma preparação intensa, para poder corresponder com a melhor qualidade possível. O público mais não fará do que responder também com qualidade. Como?
Ouvindo em silêncio absoluto. É um sinal de respeito por quantos se esforçam por apresentar um bom produto. Em música é assim, e não pode ser de outra forma.
Se nos arraiais o público troca impressões, conversa, grita, ninguém estranhará. Mas numa sala, ou num salão, o mesmo não acontece. Nem os telemóveis se permitem.
        As Bandas são uma das melhores imagens do povo. Pela forma como se apresentam, pela qualidade musical que conseguem, pela atenção que lhe prestam, pela apresentação e arrumo da sua Sede Social. Uma Banda é o espelho de uma comunidade.
        Convém destacar, neste apontamento, as outras valências do novo edifício. Que se estendem para outros horizontes sociais da freguesia, como sejam as festas de maior movimento de pessoas – as festas do Espírito Santo.
        Nesta festa esperava encontrar mais público. Talvez por não ter sido escolhido o melhor dia, talvez por isso.
        Aos poucos vamos construindo o futuro. Esperemos que as “crises”, que sempre hão-de vir, não façam abrandar a concretização de novos sonhos, nem façam morrer o que muito custou a construir.
        Parabéns à “música da Piedade”. Parabéns a toda a freguesia desta Ponta da Ilha, que suporta a “União Musical da Piedade”. Parabéns à ilha inteira.
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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Voltando à semana que decorreu...

Um apontamento para o jornal, feito “a priori” do acontecimento, corre o risco de falhar por omissão. Assim aconteceu no que escrevemos na semana passada. Decorria a Semana dos Baleeiros, e já tinha alinhavado esta semana que decorre, antes de ela começar.
        Volto assim atrás para registar dois momentos que me pareceram relevantes, a não hesitar em repetir nos anos vindouros. São eles relacionados com o que temos neste Pico.
        Na segunda-feira – e depois de assistirmos à actuação do Grupo Folclórico de São João – presenciámos o nascimento da Chamarrita, tal como ela nasceu nos tempos recuados, na sua originalidade, do meio do povo. Sem ajuda de ninguém.
        Num instante, a coqueluche dos tocadores da ilha – desculpem a hipérbole, sem ofensa para ausentes credenciados – perfilaram-se sobre o palco, demandaram em “fúria por aí fora”, ao comando do Canarinho, dando entender a todos, que ali “não se estava a brincar”, mas a sério, proclamando: “todos ao terreiro cada um com seu par”!
        Não se fizeram rogados. Encheram o campo com um, dois, três e mais grupos. Um redemoinho animado de corpos ritmados e cadenciados, com as vozes de ordem de movimento seguinte, e do repenicado trrrrrrr…..  quase sem fim. Não levou muito tempo, estava o terreiro, transformado em autêntico chamarritódromo. Ficou esta imagem a não perder de vista, e desculpem o brasileirismo.
                                       ***
        Na terça-feira fui ao fado a São Pedro. Coisa que não fazia por esta festa. Devo confessar que aguentei até ao fim. E que agora me apetece dizer o que senti durante o tempo que lá estive, com a máxima atenção e silêncio profundo.
        Não conhecia os artistas convidados. Todos foram excelentes, cantores e tocadores. Corresponderam ao que o Sidónio deles disse na apresentação.
Mas – desculpem-me o coração – os primeiros, os nossos dois homens do Pico, que apareceram, que abriram o espectáculo, cada um com três temas, mais uma vez demonstraram o que são, o que podem e o quanto valem. O Professor Manuel Costa e o Engenheiro José Ferreira foram os reis da noite. E foram-no, sabem porquê?
 Porque fazem da música que cantam um prazer íntimo que os acompanha, e não profissão de carreira, condicionados. Cantam porque gostam e cantam para quem gosta. São livres dos mercados. E quem é livre pode transbordar o que sente e o que lhe vai na alma. Assim vale a pena.
        Mais uma vez ficou demonstrado que temos por aqui, na ilha, gente capaz de fazer e animar a festa.
        Parabéns ao Sidónio por ter voltado ao que era seu. Ao lugar do ponto de partida.
        E pronto. Acabei a minha nota da semana, completando a posteriori, o que não disse na semana passada. É o que resulta dos apontamentos feitos antes dos eventos anunciados.
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domingo, 14 de agosto de 2011

Espírito Santo - um CD da nossa fé e firmeza

É o título do CD que o Grupo Coral das Lajes do Pico vai apresentar ao público na sessão inaugural da semana dos baleeiros no próximo dia 22. Transcrevemos o que lá se diz no intróito de apresentação.
“As músicas deste disco, na ordem como se apresentam, podem ser o retrato de um dia de festa do Senhor Espírito Santo.
O homem açoriano e cristão, perante o mistério dos tremores de terra e dos vulcões, implorou ao Deus Altíssimo, a protecção divina: atende-nos, acolhe-nos, ajuda-nos, Senhor (1). Na aflição iminente promete “levar a Coroa” e torna-se Mordomo.
Na casa de família, canta-se o Hino do Senhor Espírito Santo (2) e fazem-se as últimas orações – as mesmas que se haviam feito durante a semana anterior: “Adoremos com afectos d’alma, ó Espírito Santo Divino”…, “As vossas glórias são imortais, que a orar não podem lábios mortais” (3). Logo, de imediato, todos se preparam para o cortejo processional até à Igreja Paroquial.
Na oferta dos dons, perante o altar, agradecem-se as dádivas recebidas: “Nos meus lábios põe o canto de louvor e gratidão; pelas dádivas sem fim que nos dás por tua mão” (4). Por fim, a Coroação e o regresso à Casa do Povo.
Durante o jantar, e mais tarde, durante o arraial da distribuição do pão e do vinho, aparecem os foliões, dando largas à alegria espelhada nos semblantes de quantos participam nos festejos: “Estas mesas foram postas hoje com grande amor; foram postas em louvor do Altíssimo Senhor” (5). E já nos festejos adiantados pela tarde fora, voltam, cantando: “O Divino Espírito Santo traz graça que Deus mandou (6) e também “Pastores, à serra (7); e Ó Senhor Espírito Santo (8). Ao cair da tarde, transbordando de alegria, cantam ainda: “Recolhei-vos pomba branca, que anda caçador em terra” (9).
A noite já vem perto. É a hora de bater Trindades e de recordar que foi por obra e graça do Espírito Santo que a Virgem concebeu e deu à luz um Filho – o Verbo Redentor, ao qual tudo se deve. Bateram Trindades nas velhas herdades. Importa descansar e sonhar. “E o sonho que seja, tal qual numa igreja, a Virgem num trono e um anjo a cantar” (10). O repouso do crente que, acabando de cumprir a sua promessa, pode agora dormir de consciência tranquila.
Finalmente – sendo a segunda-feira do Espírito Santo o Dia da Região, e acontecendo ser este o dia de festa – todos assumem as suas raízes nas palavras de Natália Correia: “Deram frutos a fé e a firmeza//No esplendor de um cântico novo://Os Açores são a nossa certeza//De traçar a glória de um povo” (11).
A religiosidade popular impera, continua viva”.

E concluiria, agora para completar este apontamento jornalístico, com as palavras fé e firmeza, ambas extraídas do mesmo conceito do pensamento humano, para apregoar a toda a gente, que foi a fé do povo e a sua firmeza que nos trouxeram até aqui. Esta é a nossa herança, que importa consolidar ainda mais. A música deste disco é um pequeno contributo para consolidar ainda mais essa herança.
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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

As festas são sinais que falam....

E ocasiões para revelar o que somos e temos.
Uma festa das nossas aldeias – seja ela qual for – revela sempre alguma coisa das pessoas, das suas capacidades, dos seus sonhos satisfeitos.
        Por estes dias – no Bodo de Leite, no São João Pequenino, na Feteira, na Baixa, na Liga dos Amigos, na Mãe de Deus, e talvez ainda mais – somos confrontados com imagens de piedade e devoção, de trabalho e canseira em terra e no mar, de cor e luz, de arte e beleza.
        Os palcos movem-se, e quando é preciso constroem-se com meia dúzia de paus de faia ou de incenso, como se fazia antigamente, e sobre eles desfilam os mais diversos artistas, talvez os menos cotados, que não conseguem lugar nos grandes aglomerados.
 Também neste campo da arte, nem todos conseguem ir aos melhores palcos. É como no futebol: nem todos sabem jogar como o Falcão ou o Nuno Gomes.
        Mas têm lugar e têm espectadores que os admiram e lhe batem palmas. Quem passou por esses lugares de festa popular deu por isso. E, se calhar, alguns deles agradaram mais do que outros que tiveram a sorte de pisar os palcos das maiores festas. Vimos isso com uma dança da Terceira, na tarde de domingo passado, sobre um palco improvisado no poço da Telha. A festa do Chicharro era naquele sítio.
        E nas Ermidas e Paroquiais, quando é o caso, o religioso tem o seu lugar. É bom lembrar que a festa tradicional, geralmente, começa por aí. Mas, cuidado: já não é assim em todos os lugares. As festas ficam-se apenas pela presença secular e laica. Uma atitude que importa respeitar, pois está em conformidade com as vontades das comunidades. E ninguém se admire se a tendência aumentar e se transformar em costume. Nos dias que correm, mais se acentuam as distâncias entre as cúpulas do poder e os povos.
 Todavia, a ideia do poder absoluto já não consegue impor-se. Cada vez mais há pessoas que aceitam partilhar. O poder e os povos juntam-se, dão as mãos e fazem. Foi o que vimos no porto da Baixa – todos se juntaram, todos andavam satisfeitos, não faltou nada sobre a mesa posta em cima do cais.
Os produtos do mar abundaram e a crise andou longe, ninguém deu por falta dela. Tudo isto é o resultado de livre aceitação, de crença. Quem acredita faz o seu caminho. Os povos na concretização dos seus objectivos juntam-se, e fazem.
Ali recordei o Padre João Domingos – com quermesse instalada a favor da homenagem a ser-lhe prestada no aniversário dos seus 100 anos no ano de 2012. Foi ele que apontou o rumo certo – os melhoramentos do caminho da Baixa, a central comunitária, as canseiras burocráticas para a Ribeirinha ser freguesia; e nunca deixou de sentar-se diante das crianças a ensinar o Pai Nosso e a Ave Maria. Muito do seu exemplo foi determinante no ambiente urbano da freguesia. Era teimoso, diz-se, mas nunca foi absoluto, e deixou trabalho feito.
Outra lembrança de acontecimento importante foi o ramal que dá acesso àquele porto, antes por entre falésias íngremes de estafar quem subia ou descia. Foi obra das gentes da terra, sem projectos, nem adjudicações, nem concursos, obra do 25 de Abril, logo inaugurada pelo Comandante Sá Vaz, que veio da Horta, propositadamente para aquele efeito. Aquele Ramal continuará a ser popularmente chamado de Ramal do Porto da Baixa. No meu pensamento será o Ramal “Comandante Sá Vaz”. Foi eu próprio, que o fui buscar à Madalena para esse efeito, e depois voltar a colocá-lo no cais de regresso à Horta.
Todas estas imagens me ocorreram durante a tarde de domingo passado, no arraial da festa do Chicharro, bem saboroso para quantos o provaram. Ainda recebi um convite para ir ao São Caetano, lá no porto do Galeão. Coitado deste santo que nunca teve nada por causa da proximidade do Bom Jesus! Talvez por essa razão, recordando fracassos antigos, optei por ali continuar, com o canal em frente e São Jorge, invejoso, a olhar para esta rampa, toda colorida, pequena, mas cheia, muito cheia a transbordar.
        Importa, sim, olhar para as capacidades e os contributos que as comunidades põem em marcha na concretização dos seus momentos escolhidos, para celebrar o que lhes vai na alma, seja de fé seja de cidadania. Importa muito ir por onde indicam e gostam. Não gostam mesmo nada é de quem lhes imponha, seja lá o que for.
        Este mês tem sido pródigo. Nas esplanadas e comércios abundam os programas. São sinais positivos que importa realçar.
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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Maré Cheia, bem cheia, rasa...

Não se trata da preia-mar nem da baixa-mar. Nem tão pouco da designação popular atribuída à preia-mar – maré-cheia. Trata-se, sim, de uma metáfora. Com raízes no movimento das marés, com certeza.
Descendentes de pescadores e de baleeiros – residentes pela diáspora e em sintonia com os actuais residentes – habituados às águas do mar que as viam subir e descer todos os dias, resolveram congregar esforços e encher a freguesia das Ribeiras com o maior número possível de naturais. Daí a designação de Maré-Cheia.
Por estes dias assim acontecerá. Os naturais daquela freguesia, e residentes noutras partes do mundo, movimentaram-se nos últimos anos, no sentido de todos se encontrarem, em convívio fraterno.
O cartaz é elucidativo quanto ao programa deste encontro. Para além de outros ingredientes, escolhidos para a celebração desta enchente, surge de imediato a refeição escolhida – Sopas do Espírito Santo no dia 8.
        Sendo freguesia de pescadores e de baleeiros, naturalmente poderiam ter optado pelo caldo de peixe. Mas não. Escolheram as Sopas do Espírito Santo.
        Este pormenor da refeição escolhida poderá não ter surgido por acaso. Os povos costumam ter o seu dia-a-dia todo preenchido, quase sempre de forma rotineira, sem tempo, por vezes, para o diálogo e o convívio aberto e descontraído. Assim acontecia nas fainas da pesca e da baleia. Nem tempo havia para o descanso.
Também os povos costumam ter ocasiões mais selectivas, mais culturais, mais íntimas. Geralmente com a mistura do religioso com o profano.
        Aqui, poderá ter sucedido o mesmo. Nesta freguesia – como em muitas outras nesta ilha – são as refeições da festa do Espírito Santo que congregam mais público, despertam mais entusiasmo e alegria. Celebrar o Espírito Santo é quase um dever sagrado. E nesta freguesia foi sempre tradição acentuada, sempre feita com maior relevo e aprumo.
Convém, todavia, referir que a tradição do Espírito Santo, além de ser religiosa, é também cultural, vai para além do simplesmente religioso.
 Nos tempos certos andam juntas. Neste encontro, porém, como não é promessa a cumprir, prevaleceu a segunda. O primeiro sempre mais restrito, o segundo mais universal.
 Maré-Cheia é aproximação das pessoas, é encontro fraterno do cidadão secular que revisita lugares e costumes da sua terra natal.
 A cultura tem um carácter muito nobre – não exclui. A cultura é viva. Nas casas, nos salões, nas ruas, nas decorações, nos foguetes, na música. Por outras palavras, dá ambiente ao convívio que é de todos. É pela cultura que os povos se identificam, redundante é repeti-lo.
Os caldos de peixe e outros ingredientes da saudade ficaram para outras ocasiões não menos vividas. O programa é extenso, e não se esgota no indicado para o dia 8.
Além do mais, este acontecimento em Santa Cruz das Ribeiras, na minha modesta opinião, é assunto relevante. Que marca o mês de Agosto de 2011 na Ilha do Pico.
Há que louvar uma iniciativa desta natureza e dar-lhe o devido relevo. Um apelo à reunião de todos os ausentes, na terra mãe, não acontece todos os dias. Estão todos de parabéns.
A todos saúdo, sem excepção. Mesmo sem saber se estará presente, (escrevo este apontamento no dia 1 do corrente), lembro o companheiro das primeiras viagens para Angra a caminho do seminário – o Orlando Quaresma. Nestes dias, ausente ou presente, estará com todos os seus, um alento para a vida presente e uma força para os anos da idade terceira.
Na tua figura, caro amigo, saúdo os mentores da iniciativa apontando-a como exemplo das boas iniciativas que raramente acontecem. Não é todos os dias que vemos uma freguesia inteira da diáspora voltar à terra-mãe, juntar-se aos que ficaram, encher a freguesia, para celebrar a vida. A maré vai encher, vai ficar rasa! Um aplauso do tamanho da Montanha!
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domingo, 31 de julho de 2011

Mais outras novas coisas velhas...

Parecem estar a chegar, ou já vem chegando.
O Cardeal Cañizares, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos do Vaticano, anda a recomendar que a comunhão dos fiéis se faça, como antigamente – na boca e de joelhos.
 Tudo indica que será mais uma reconquista de Bento XVI. É uma prática que ele próprio vem implementando, e por isso se admite que depressa será outra norma a recuperar.
 As opiniões e os comentários já se fizeram sentir; não no sentido de uma rejeição total, mas numa aceitação com reservas, já que sempre houve respeito no acto de ser de pé e na mão. Na última Ceia, Cristo não meteu o pão na boca dos Apóstolos, foram estes que lhe pegaram e o tomaram.
Os mais obedientes, escrupulosos e submissos vão aceitar. Vendo diabos em toda parte, vão lançar anátemas aos quatro ventos contra os que não aceitarem.
Outros vão continuar como até aqui. E se o poder for de imposição, serão menos a incomodar.
Cada dia que passa, são dados passos à retaguarda. Todos os dias o castelo é remendado e retocado com mais materiais fora de uso. Remendos para pouca duração.
Hoje em dia, a cal já não se aguenta nas paredes dos edifícios. Hoje usa-se tinta, que é bem mais resistente. Parece que em Roma ninguém pensa nisso. Por onde andará o Espírito Santo? Deve ter fugido para longe!...
Um outro ponto em concreto é a ordem de Ratzinger: “Todos pr’ó confessionário!” A muitos, deu vontade de rir, pois até se julgava que tinha sido abolido, tal a “assiduidade” que se vem notando de algum tempo a esta parte…Móveis vazios, cada vez mais vazios. Lá dentro, ninguém. Fora, muito menos.
A verdade é que os tempos andaram depressa, e muita coisa ficou para trás… Recuperar agora? Não será tarde de mais?
Um confessor da nossa praça dizia, ainda não há muito tempo: “estive aqui duas horas e ninguém apareceu, estão todos santificados”! É bem possível que tenha razão. Estamos todos santificados. A consciência de cada um é que manda. Esta é a imagem que vemos por toda a parte.
Vem aí mais novas velhas coisas… No nosso ponto de vista, podem vir todas e mais algumas. Estão condenadas ao fracasso, porque são remédios fora de prazo, caducos, já não fazem efeito.
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sábado, 30 de julho de 2011

Estratos de uma carta corajosa

Estimado irmão e Bispo  N.
Não esperava que você, bispo da Diocese de N. embora nomeado contra a vontade e o sentir maioritário dos sacerdotes e de muitos fieis da Comunidade Diocesana, fosse capaz de enfrentar o seu Conselho Presbiteral com uma prepotência e menosprezo sem precedentes, os ofendesse com a análise e valor que fez do processo seguido até hoje na igreja diocesana e o comportamento e papel que nela desempenharam os seus sacerdotes. O modo de pronunciar-se foi inaudito.
        Desejo recordar-lhe que um grupo de sacerdotes da cidade de N. escreveu a propósito da sua nomeação: “A eleição dos bispos, segundo a tradição da Igreja, era feita com a presença e participação de presbíteros, os bispos mais próximos e, sobretudo, do povo cristão, já que era este quem mais e melhor poderia conhecer a conduta do candidato e assim poder aceitá-lo ou repudiá-lo. Este protagonismo do Povo de Deus era considerado de tal importância que se chegava a dizer: “eleger sem povo, é eleger sem contar com Deus”. “Ninguém seja dado como bispo a quem não o quer. Procure-se o desejo e o consentimento do clero, do povo e dos homens públicos”. “Não se imponha ao povo um bispo não desejado”. (São Cipriano, bispo de Cartago).
        É do domínio público como nesse Conselho Presbiteral, você desqualificou, sem nenhum fundamento a conduta teológico pastoral dos seus sacerdotes e comunicou ter decidido transladar os seminaristas para o Seminário de N. sem contar para nada com eles.
        (…) Isto fere a sensibilidade actual com as exigências de diálogo, participação, discernimento na comunidade, respeito dos direitos de todos e mostra ausência das atitudes básicas de todo o cristão: corresponsabilidade, humildade, serviço.
        Você acredita que foi investido de autoridade para proceder assim, mas à luz do Evangelho e da tradição cristã, nós vemos que está em contradição e em desacordo com os princípios e o espírito do Vaticano II.
        (…) Eu espero que os seus propósitos, por muito que neles acredite, não prevaleçam, para o bem de todos e por fidelidade ao mesmo Evangelho. Acreditará que a sua visão é a verdadeira; nós acreditamos que você defende uma interpretação subjectiva, pessoal, com falta de verificação comunitária.
        Não estranhará este meu manifesto, pois não posso entender que a maioria dos seus sacerdotes, com entrega, competência e zelo, que você parece desconhecer, em vez de estimular e apoiar o seu labor pastoral, os desautorize desta maneira perante a igreja inteira. Em muitas ocasiões tive a prova da qualidade e magnífico trabalho destes sacerdotes. (…)
        (…) Peço desculpas pelo meu atrevimento, mas com a idade a que cheguei e com a experiência acumulada, faz-me compreender muito mais os meus irmãos, desculpá-los setenta vezes sete e compreender que não está no juízo nem na condenação o amoroso desígnio do Pai, mas na entrega, na compreensão, na aproximação aos meus irmãos.
        Senhor Bispo, os caminhos que levam ao Pai são infinitos, mas o que nos foi legado é o de Jesus, Filho do Pai, que veio ao mundo para humanizar o homem caído. O Pai foi primeiro para Ele: pô-lo em pé, fazendo-se um de tantos, para estar mais próximo e compartilhar com outros a sua filiação divina e assim tornar-nos participantes do seu amor e ternura.
        (…) Rogo-lhe perdão pela minha ousadia. Não o faço pela minha santidade que não a tenho, mas pelo amor do Pai que desde menina me fez experimentar o seu amor profundo. Ensinaram-me sempre que Deus é Amor; Amor que sai ao meu encontro, me ama, e se entrega por mim. Este é o meu Deus, nele confio e não temerei, porque é a minha força e a minha luz é o Senhor.
        (…) Falei com sinceridade, motivada pela dor e pela indignação de tantos que vem sofrendo nesta porção formosa da nossa igreja. Asseguro-lhe que o faço por amor à igreja, e a si em concreto, de um modo especial pela responsabilidade que tem, pois também é filho e vítima das suas circunstâncias.
                        Com respeito e amor
                (Segue a assinatura de uma senhora de 85 anos))

A explicação que deixo: Tive o cuidado de ocultar os nomes e os lugares, que são europeus. É importante a coragem da autora desta carta – uma senhora de 85 anos. Mais importantes ainda são os conteúdos doutrinais e históricos, sobretudo os que se referem à maneira como eram escolhidos os Bispos. Por isso não resisti em colocá-los aqui.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Falemos claramente...

D. José Policarpo, ainda não há muito tempo, disse, numa entrevista, que “teologicamente não há nenhum obstáculo à ordenação de mulheres”. Acrescentava que, nas circunstâncias actuais, “era melhor não se falar no assunto”.
        Muitos comentadores se referiram às palavras do Cardeal, e as repercussões nos meios eclesiásticos não se fizeram esperar. Ao ponto do mesmo Cardeal, mais tarde, ter vindo esclarecer o que havia dito, quase dando o dito por não dito. Digamos que…terá levado um puxãozinho de orelhas!
        Mas o assunto não morreu e continua activo e actual em meios próximos da Igreja. Com mais intensidade em sectores que já ultrapassaram as normas vigentes, e que se movimentam livremente nas comunidades, com plena aceitação destas, que são, quer se queira quer não se queira, a razão de ser da própria Igreja. Dentro das cúpulas da própria Igreja a questão não tem discussão. Parece ser assunto diabólico…”É melhor não se falar mais nisso!”
        Neste apontamento introduzimos, com oportunidade, a questão da manutenção do celibato como condição para as ordens. É assunto recorrente, e volta a sê-lo de novo, agora com o governo irlandês a acusar o Vaticano de ter encoberto durante anos seguidos os abusos sexuais cometidos por clérigos. Ao ponto de um elemento do Vaticano pedir ao Papa a destituição de todos os bispos irlandeses, e do primeiro ministro irlandês afirmar que não compete ao Papa governar a Irlanda.
Começa assim a intensificar-se a perplexidade dos crentes, em todos os continentes, perante uma lei e a sua prática. Uma espécie de conflito permanente, difícil de compreender, numa instituição que insiste, por um lado, na consciência formada, e por outro, dando flanco aberto a uma condescendência permissiva. “Faz o que eu digo e não faças como eu faço”.
E a perplexidade ainda mais se acentua, quando se procura a solução nos mesmos remédios de sempre: rezar muito, encobrir e nada dizer. Há que salvar a dignidade da instituição, abafando e calando. “É melhor não se falar mais nisso”.
Não é de estranhar, pois, que por melhor juízo que se faça, cada vez se acentua mais a duplicidade de vida por parte de muitos que aceitaram cumprir a lei do celibato.
Por todos os continentes, a paisagem é esta: Uns, todos conservadores, tradicionalistas, integristas, puritanos e pudicos, movem-se pelos corredores das cúrias e dos passos episcopais a excomungar tudo e todos. Outros, liberais, universalistas, humanos, circulam no meio dos povos, ignorando os anátemas, orientando-se e solidarizando-se com os que vivem ao lado, vivendo e sentindo a vida. A única luz que levam consigo a indicar o caminho é a conformidade com os preceitos do Evangelho. Levam o essencial, o mais importante. E dizem que é mais importante a obediência à consciência do que às vozes provenientes das cúrias.
        O Concílio Vaticano II não foi muito longe nos assuntos que envolvem a sexualidade humana. Mas deixou uma norma incontroversa que abre caminho á renovação e ao rejuvenescimento da vida da Igreja: “Toda a forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa por razão de sexo deve ser vencida e eliminada, por ser contrária ao plano divino”. Esta recomendação está por fazer, e é imperioso que se cumpra.
Durante muitos séculos, houve bispos e padres casados. Até houve papas casados. O casamento nunca foi, por lei divina, obstáculo ao desempenho do ministério.
Hoje, todos sabem, só na Igreja Romana, esta norma é exigida para exercer uma função eclesiástica. Em outras Igrejas reconhecidas essa norma não existe.
        A situação no mundo inteiro é de expectativa e descrédito em reformas. Do Vaticano surgem apelos à continuidade: nem mulheres clérigos nem celibato opcional. Só falta intimidar com a fogueira da inquisição. É melhor não se falar no assunto. É causa fechada.
Apesar de tanta discórdia e de muitas “vergonhas” – são estas normas que conseguem manter o estatuto de grandeza e de poder.
É, afinal, a grande razão: manter o poder de grandeza acumulada pelos séculos. Quando o celibato se tornar opcional e as mulheres forem admitidas ao ministério, quase tudo se desmorona e cai em cacos. É o medo de tudo perder. A Igreja instituição vive cheia de medo.
Joaquin Pereia, bilbaíno, sacerdote e teólogo, na apresentação do seu livro “La jerarquia está usurpando a voz de la Iglesia”, à pergunta se havia mudado alguma coisa na Igreja, respondia assim: “as coisas na vida não são brancas ou negras. São grisalhas. O mesmo na Igreja. Eu creio que em alguns aspectos se avançou, e outros em que se retrocedeu. Parece-me que desde o Concílio Vaticano II se deu a confluência de dois grandes vectores: por um lado, neste momento, para um observador externo, o problema da direcção geral da Igreja que quer voltar aos bastiães antigos, e por isso retrocede, crispa-se, zanga-se, vive do medo e da preocupação por esse medo “laicista e secularista”…Isto é um desastre, porque não leva senão à irrelevância na igreja. E à seita. Ao gueto.”
Como, à irrelevância? Perguntaram de novo. “Isso mesmo, irrelevância. A Igreja, se para alguma coisa existe, é para dizer uma Palavra à sociedade. Mas a sociedade não vai ouvir uma Igreja que diz: “ou passais por aqui, ou não há nada a fazer”. Por isso eu creio que no momento actual muitos cristãos se sentem no escuro. Só ouvem irrelevâncias, assuntos irrelevantes, e por isso debandam…
Mas há que dizer que o Concílio significou um momento extraordinário, que sintetizou o pensamento do Papa João XXIII: “que a Igreja sempre tem de reformar-se, com as janelas abertas ao mundo”.
Quando digo que “outra Igreja é possível”, refiro-me à igreja de Jesus, pois tenho a impressão que esta igreja que temos não é a igreja de Jesus.”
                               ***
Quando aqui chegámos, para dar por terminado este apontamento, tivemos conhecimento do seguinte documento, proveniente de 300 párocos austríacos, com a data do passado dia 19 de Junho:
“Nós, sacerdotes, estabelecemos, no futuro os sinais seguintes:
1 – Rezaremos, no futuro, em todas as missas, uma oração pela reforma da Igreja. Tomaremos a sério a palavra da Bíblia: “Pedi e recebereis”. Diante de Deus, existe a liberdade de expressão.
2 – Não negaremos, em princípio, a Eucaristia aos fiéis de boa vontade. Especialmente aos divorciados com segundo casamento, aos membros de outras igrejas cristãs, e, em alguns casos, também aos católicos que abandonaram a igreja.
3 – Evitaremos celebrar, na medida do possível, aos domingos e dias de festa, mais de uma Missa. É melhor uma liturgia da Palavra organizada localmente que as tounées litúrgicas.
4 – No futuro, consideraremos celebrar uma liturgia da Palavra com distribuição da Comunhão – uma Eucaristia sem sacerdote. Desta forma, cumpriremos a nossa obrigação dominical em tempo de escassez de sacerdotes.
5 – Não cumpriremos a proibição de pregar estabelecida para laicos competentes e qualificados e para professores de religião. Especialmente em tempos difíceis é necessário anunciar a palavra de Deus.
6 – Comprometemo-nos a que cada paróquia tenha a sua própria cabeça responsável: homem ou mulher, casado ou solteiro, a tempo inteiro ou parcial. Não haverá fusões de paróquias, a não ser mediante um novo modelo de sacerdote.
7 – Por isso, vamos aproveitar todas as oportunidades para manifestarmos publicamente a favor da ordenação de mulheres e de pessoas casadas. Vê-los-emos como companheiras e companheiros, bem-vindos ao serviço pastoral.
Sentimo-nos solidários com os companheiros que por se terem casado já não podem exercer as suas funções, e também com aqueles que ainda mantém uma relação contínua prestando serviços como sacerdotes.
Ambos os grupos, com a sua decisão, seguem a sua consciência como nós fazemos com a nossa proposta. Nós vemo-los, assim como ao papa e aos bispos, como nossos irmãos. Não sabemos que mais se possa ou deva exigir à fraternidade. Um só é o nosso Mestre, e todos nós somos irmãos.
É isto o que queremos que suceda, é por isto que queremos rezar. Amen.
Domingo da Trindade, 19 de Junho de 2011.

Finalmente, o meu comentário. Sempre admirei o Cardeal D. José Policarpo. Ainda hoje o admiro. Ainda mais por saber que ele, pessoalmente, também está de acordo com as reformas que muitos proclamam. Só que, no posto em que se encontra, nada mais pode dizer. Disse o que lhe parecia certo. Esqueceu-se que era Cardeal. E levou um puxão de orelhas. Muitos andam calados, cheios de medo também.
Alguns leitores desta área da cultura religiosa, dizem-me: “continua, sempre alguma coisa aparece, sempre alguma coisa se diz”. Acrescento que estou muito longe de outros tempos. Aprendi por mim próprio. Tiro tempo para ler e estar a par do que se diz. E continuo a aprender. Melhor não falar nestes assuntos? Pelo contrário, escrevendo claramente….sem complexos.




sexta-feira, 22 de julho de 2011

Apesar da crise.... a festa há-de fazer-se!

Este meu apontamento já vai fora do tempo. Já lá vai uma festa e as outras já devem ter fechado os programas. Todavia, e por isso mesmo, pode ser mais um motivo de festa. Ele aí vai.
As festas são maiores ou menores conforme as posses. Em tempos de crise, naturalmente que serão menores. Mas mesmo assim, há sempre lugar para uma saída, e para uns laivos de boa disposição. Rir, faz bem e é próprio do ser humano. Ridendo castigat mores, com todo respeito, e sem ofensa, pois não se trata disso.
É verdade que as festas maiores começaram com as festas de Lurdes e respectiva semana dos Baleeiros. Depois estenderam-se pelas outras vilas da Ilha, e mais outras do Arquipélago. Tenho a impressão de que tudo começou pelas Lajes do Pico. Estarei totalmente errado? É o que menos importa saber. Continuemos, então.
        Depois de tanta competição, ou coisa parecida – aparece o apelo à rotatividade, à contenção de gastos, e ao “cada um faça como puder”. Não é que se pressintam grandes contendas. No entanto, nestes casos, uns pós de ironia até suavizam e amansam os ânimos.
Por isso não entro nestes malabarismos complicados. Fico pelo que me parece mais óbvio – cada um faça como pode, sem desperdiçar os apoios dos vizinhos. A ilha, e o Concelho em particular, têm tudo o que é preciso.
        Assim sendo, faço a seguinte análise ao Concelho das Lajes, já que dos outros, por estarmos ultrapassados, não importa fazer qualquer análise. Na verdade, o Concelho das Lajes, dentro das suas fronteiras:
        - Têm Bandas suficientes (São João, Lajes, Santa Bárbara, Ribeiras, Calheta e Piedade), para todos os dias da semana à noite no palco central da Vila;
        - Têm um Grupo Folclórico, para um dia de maior movimento, ou à escolha;
        - Têm uma Orquestra, para uma ou duas noites, à escolha também;
        - Ainda têm um Grupo Coral para uma noite dentro de um salão à escolha;
        - Têm o grupo Trovas do Sul;
        - Têm o grupo “Kádacasa”;
- Têm o grupo de teatro Multieremà;
- Têm várias Marchas, prontas a desfilar;
- Tem grupo de Fados e de “Velhas”;
- Têm talvez muitos mais grupos que não conheço.
- Têm Botes Baleeiros suficientes para a sua Regata habitual (Lajes, São João, Ribeiras, Calheta e Piedade);
Todos estes grupos serão a custo zero. Que mais é preciso?
Um artista famoso? Sei lá… Talvez a artista “Deolinda” que tem uma cantiga que diz: “que parva que eu sou”…; mesmo assim, ia ser caro de mais, e parvos, é o que não falta!!!

Por conseguinte, têm o Concelho motivos para fazer a festa, e contar com o povo como nos anos anteriores. Afinal, o que não faltam são as festas!
O cartaz das festas da Madalena foi dos melhores que já vi: “Uma montanha de festa à tua espera”. Por aqui, essa montanha vai espalhar-se pelas ruas, pelos pátios (temos agora um novo e atraente pátio, ali mesmo perto das portas do mar), e pelas lagoas do mar.
Mas, atenção: uma hipérbole é sempre uma forma enfática de dizer e mediatizar. Esperamos que a Montanha, a verdadeira, com o seu ventre adormecido, se aguente assim como está, e que não se espalhe, como outras que vomitaram nos quatro continentes, impedindo aviões e pessoas de fazerem a sua vida normal. Queremos que ela ali se mantenha, firme, hirta, imponente, a nossa maior maravilha das festas que fazemos.
No campo religioso, suponho que ainda tudo será como dantes. Em épocas de crise, todos são “apanhados”. Até o valor do sermão da festa pode ficar nos pregadores da ilha. Sempre é mais uma ajudinha!
Li, algures, a seguinte afirmação: “Por maior que seja o buraco em que te encontres, sorri, porque, por enquanto, ainda não há terra por cima”.
 Boas Festas para todos, pois uma festa, onde não há lugar à boa disposição, não é festa nem é nada! Vamos todos tornar a festa ainda maior. Todos “pr’ós terreiros”, “pr’às águas da lagoa do mar” e pr’á procissão”!

Já agora, não se esqueçam de passar, no dia 7 de Agosto, pelo Porto da Baixa para provar um caldinho da festa do chicharro, e depois no dia 14 pelo São João Pequenino e no mesmo dia pela Feteira da Calheta na festa da Cabra e da Cavala. São tradições que começam a impor-se. Tudo é festa!
-altodoscedros.blogspot.com
-texto escrito na ortografia antiga

       

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Como o fermento

Dentro de dias serão as festas tradicionais do Bom Jesus. O texto seguinte, com o título em epígrafe, é de um conceituado teólogo do nosso tempo. O conteúdo poderá estar em sintonia com a mente dos crentes que lá vão. Também poderá ser a chave de abrir a janela para deixar entrar luz mais suave e matizada.

“Com uma audácia desconhecida e inesperada, Jesus surpreendeu toda a gente que o escutava proclamando o que até então nenhum profeta tinha dito: “Deus já está aqui, com a sua força criadora de justiça, abrindo caminho, para fazer a vida dos seus filhos, mais humana e ditosa”.
É necessário mudar. Temos de aprender a viver acreditando nesta Boa Notícia: o reino de Deus está chegando.
Jesus falava com paixão. Muitos sentiam-se atraídos com as suas palavras. Em outros fervilhavam dúvidas. Não será loucura? Donde vem a força de Deus a transformar o mundo? Quem poderá mudar o poderoso império romano?
Um dia Jesus contou uma parábola muito pequena. Tão pequena e simples que muitas vezes passou despercebida dos cristãos. Diz assim: “O reino de Deus é semelhante a uma mulher que tomando a levedura e, misturando-a em três medidas de farinha, consegue fermentar toda a massa.”
Aquela gente simples sabia de que falava. Todos sabiam e tinham visto as suas mães preparar o pão no pátio da casa. Sabiam que a levedura ficava “escondida”, mas não permanecia inactiva. De forma silenciosa e oculta ia fermentando tudo por dentro. Assim é Deus a actuar no interior da vida.
Deus não se impõe a partir de fora, mas a partir de dentro. Não domina com o seu poder, mas atrai com o seu amor para o bem. Não força a liberdade de ninguém, mas dá-se gratuitamente para tornar mais ditosa a vida. Assim temos de actuar também, se quisermos abrir caminhos para o seu reino.
Está a começar um tempo novo para a Igreja. Os cristãos vão ter que aprender a viver em minorias, dentro de uma sociedade secularizada e plural. Em muitos lugares, o futuro do cristianismo dependerá, em boa parte, do nascimento de pequenos grupos de crentes, atraídos pelo evangelho e reunidos à volta de Jesus.
Pouco a pouco, aprenderemos a viver a fé de maneira humilde, sem fazer muito ruído nem dar grandes espectáculos. Já não se cultivará tanto desejo de poder nem de prestígio. Não se gastarão forças em grandes operações de imagem. Buscar-se-á o essencial. Caminhar-se-á na verdade de Jesus.
Seguindo os seus desejos, cada um tratará de viver como “fermento” de vida sã no meio da sociedade. Com um pouco de “sal”, que depressa se desfaz, a vida moderna terá mais sabor evangélico. Virá depois o contágio, o estilo de vida de Jesus a irradiar a força inspiradora do seu Evangelho. O cristão crente passará a vida fazendo o bem. Como Jesus.” (José António Pagola).
 A leitura do texto, apesar de não ser uma tradução exemplar, é compreensiva, está ao alcance de quantos caminham até ao Bom Jesus: – de São Mateus, da Calheta e da Criação Velha. Os comentários serão de cada leitor. Como se impõe.
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quarta-feira, 13 de julho de 2011

No rescaldo da feira...

Só há um caminho a seguir – o nosso, e na companhia dos nossos.
No final da feira, o grupo “Alma de Coimbra” cantou. E terminou o seu canto com o nosso José Ferreira a cantar a Chamateia. No texto desta canção há a quadra seguinte: “Mas no terreiro da vida // o jantar serve de ceia // e mesmo a dor mais sentida // dá lugar à Sapateia”.
        Ora bem. Foi das poucas vezes em que todos os ingredientes se juntaram no mesmo palco com cenário apropriado.
        O nosso caminho está no terreiro da vida. E, embora o jantar já não sirva de ceia, a verdade é que o terreiro continua, e é no terreiro que todos se movimentam e tudo se ajunta.
        Os campos, os nossos campos continuam a chamar. E a dizer a toda gente que são capazes de nos dar aquilo que quisermos. Basta que lhe atiremos umas “mancheias” de sementes e uns punhados de fertilizantes, para logo de seguida nos dizerem: colham, é vosso.
        Os nossos terreiros são dos melhores. Podemos confiar neles porque são de palavra. Nem sempre são planície, pois fazem parte de ilhas vulcânicas, mas mesmo em socalcos, são de garantia.
        Nos nossos campos, os animais encontram o melhor dos ambientes para se desenvolverem, crescerem e darem prazer aos seus criadores. Encontram sustento de qualidade para dar progresso a esta terra, feita de ilhas dispersas.
        Os nossos terreiros, como já foi no passado, são também dos melhores para os produtos hortícolas de ir à mesa do jantar. Em tempos de crise, sempre é bom não esquecer esta vertente. De fora, não vem nada de melhor qualidade. Talvez, umas frutas de climas exóticos e pouco mais.
        Na exposição de produtos, lá estava patente o que acabamos de dizer. Desde os produtos lácteos até aos vinícolas. Do mel aos doces caseiros. Dos livros aos artesanatos.
        A Feira Agrícola Açores foi essencialmente agrícola. Era essa a sua especialidade. E, no nosso ponto de vista, conseguiu os seus objectivos.
        Nós vivemos em ilhas. O terreiro esteve em evidência, por entre os cabeços do Caminho Largo, na freguesia da Piedade. Do outro lado dos cabeços, ficava o mar imenso, a planície dos Açores.
        Na verdade, somos terreiro, mas também somos planície. Esta segunda merece um evento que fale e diga da sua história paralela? Talvez não precise de tanto, pois, todos os dias se fala dos mares, dos pescadores e dos pescados. Quem passa perto dos portos de pesca tem ocasião de ver o que se faz diariamente. Todos os dias, ou com frequência, é a imagem que se vê, aqui bem perto, no pequeno porto – uma espécie de presépio à beira costa plantado.
        Talvez como complemento. Muitos dos que estavam no terreiro também tem um pé nas águas, e talvez tenham saído mais cedo para acudir ao barco que esperava. Faltou isso mesmo: mais qualquer coisa para chamar a atenção dos mares que ficavam para lá dos cabeços. Não foi, todavia, nenhuma pecha. Talvez seja eu mesmo que assim pensei.
        Fica o tema desta crónica – o nosso caminho é este. São os nossos campos e os nossos mares. Na companhia dos nossos. Dos que falam a nossa língua, dos que falam e entendem das mesmas coisas, e fazem a sua vida dentro das mesmas fronteiras – na terra e no mar.
        Em ambos, haverá sempre a dor mais sentida. E haverá sempre lugar para a sapateia. A noite ia calma e ameaçava chuva miúda. Ninguém arredou pé. Foi o que senti, naquela noite de 10 do corrente, na encosta do Cabeço da Era, por entre pinheiros, faias e incensos, ouvindo a Chamateia – ali feito sapateia, vestida de capa e batina.
        Obrigado à Câmara das Lajes por ter “desviado” o grupo “Alma de Coimbra” para aquele lugar, e para aquela ocasião.
-texto escrito na ortografia antiga
-altodoscedros.blogspot.com